As diferentes formas de viver o luto
Não há dois lutos iguais, pois a forma como se lida com a perda é muito própria. Aprenda a distinguir o que é normal daquilo que é considerado perturbação.
Ao longo da vida, todos nós enfrentamos a dolorosa experiência da perda de um ente querido, seja um amigo, familiar, colega de trabalho ou animal de estimação. Este evento, comum na vida de todos, não deixa de ser, no entanto, um desafio psicológico profundo difícil de superar. Ana Castro Fernandes, psiquiatra CUF, e Magda Andrea Oliveira, psicóloga clínica CUF, falam sobre o luto, as diferentes fases deste estado e em que situações podemos estar perante uma perturbação prolongada.
O que é o luto?
O luto pode ser descrito como um conjunto de respostas emocionais, cognitivas, comportamentais, sociais e existenciais desencadeadas pelo confronto com a perda de algo, concreto ou simbólico, profundamente significativo para o ser humano.
O luto é vivido à maneira de cada um
Os processos psicológicos de luto não seguem fases predefinidas, sendo o seu percurso heterogéneo. Por esta razão, não se encontram dois processos de luto iguais, nem mesmo entre elementos da mesma família. Na maioria das situações, o luto evolui de uma fase aguda de sofrimento psicológico para uma reação mais integrada, em que o indivíduo se adapta à perda e consegue reorganizar-se, encontrando um novo significado para a vida, apesar da ausência da pessoa amada.
Sobre a fase aguda do luto
Os primeiros tempos após a perda do ente querido tratam-se da fase aguda do luto. Aqui, é comum a presença de emoções intensas associadas a pensamentos e memórias do falecido, o que pode levar a pessoa a reduzir temporariamente o seu envolvimento em atividades profissionais, recreativas ou sociais - isto é, a isolar-se mais. Esta fase pode variar bastante em termos da duração e intensidade dos sintomas ou respostas psicológicas, sendo diferente na mesma pessoa em distintas fases da sua vida. Também pode ser influenciada por vários fatores, como:
- Tipo de relação e vínculo com o falecido;
- Circunstâncias em que ocorreu a morte;
- Aspetos religiosos e culturais.
Em algumas pessoas, a fase aguda do luto manifesta sintomas graves ou moderados, mas, na maioria dos casos, evolui favoravelmente sem a necessidade de intervenção terapêutica. Contudo, cerca de 10 % das pessoas que inicialmente reagem à perda com sintomas ligeiros a moderados podem ver esses sintomas agravados após seis meses ou até mesmo após o primeiro ano.
O que é a perturbação de luto prolongado?
Embora a maioria dos processos de luto evolua de forma positiva, cerca de 7-10 % das pessoas apresentam sinais e sintomas graves de luto que persistem e impactam negativamente o seu funcionamento social, familiar ou profissional. Estas pessoas desenvolvem a perturbação de luto prolongado (anteriormente designada por luto patológico, complicado ou traumático), o que exige uma intervenção terapêutica, dado o sofrimento psicológico significativo e o comprometimento da funcionalidade.
A perturbação de luto prolongado caracteriza-se, de acordo com a Classificação Internacional das Doenças (CID-11), pelos seguintes critérios:
- Pelo menos um destes sintomas: sentimento persistente e penetrante de saudade do falecido; preocupação persistente e penetrante com o falecido;
- Pelo menos um dos seguintes sintomas de dor emocional intensa: tristeza, culpa, ira, negação, revolta, dificuldade em aceitar a morte, sensação de ter perdido uma parte de si, incapacidade de experimentar sentimentos positivos, sensação de embotamento emocional (dificuldade na expressão de emoções), dificuldade em envolver-se em atividades;
- A perturbação causa um comprometimento importante no funcionamento pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional ou noutras áreas significativas da vida da pessoa;
- A perturbação persiste por um longo período (pelo menos seis meses) após a perda, claramente excedendo o que é considerado normativo e expectável, de acordo com as normas sociais, culturais e religiosas do indivíduo.
Por que pode ocorrer a perturbação de luto prolongado?
A perturbação de luto prolongado pode ocorrer por vários motivos, havendo fatores pessoais e sociais que podem contribuir para o seu aparecimento. Entre os primeiros, destacam-se as pessoas que reagem com comportamentos de evitamento ou de busca incessante da pessoa que perderam, as que têm maior dificuldade em lidar com emoções dolorosas, ou aquelas que experienciam sentimentos ou pensamentos de culpa em relação ao falecido ou às circunstâncias da sua morte. Fatores como as condições de saúde do sujeito, nomeadamente do ponto de vista da saúde mental, e o seu estatuto social também interferem na adaptação psicológica à perda. Pessoas com redes sociais frágeis ou que padecem de outras condições de saúde têm maior risco de desenvolver a perturbação de luto prolongado.
Implicações do luto prolongado para a saúde
As pessoas com perturbação de luto prolongado têm um risco aumentado de mortalidade por diversas causas, tornando urgente a identificação e o tratamento destas situações. Estas pessoas estão associadas a um maior risco de apresentar ideação suicida ou comportamentos autodestrutivos, assim como de desenvolver doenças como o cancro ou outras condições médicas, ou até de se envolver em comportamentos aditivos.
Quem tem maior risco?
Apesar de existir uma vasta literatura sobre a perturbação de luto prolongado, ainda não se compreende completamente a sua etiologia nem os preditores específicos deste problema de saúde, tendo sido identificados apenas fatores de risco. Em geral, parecem estar em maior risco as pessoas do sexo feminino, as mais velhas e aquelas com baixo nível socioeconómico. Também se identificaram como grupos de risco os indivíduos com antecedentes de depressão ou doenças bipolares, bem como aqueles que passaram por traumas na infância.
As circunstâncias em que ocorre a morte também podem aumentar o risco de desenvolvimento de luto prolongado. Este tipo de luto parece ser mais comum em casos de morte súbita, como acidentes, homicídios ou suicídios. Os cuidadores são outro grupo particularmente vulnerável a desenvolver esta perturbação, especialmente se eram companheiros do falecido, se dedicavam grande parte da sua vida à prestação de cuidados, ou se já apresentavam sintomas depressivos ou sentimentos de luto antes da perda.
Um psicólogo pode ajudar
Perante a presença de sintomas, é importante procurar ajuda especializada, identificando as situações clínicas de perturbação de luto prolongado para posteriormente desenvolver planos de tratamento individualizados para cada caso. A intervenção psicológica pode também ter um papel importante na facilitação de algumas tarefas de luto mesmo aquando da vivência de quadros de luto normativos.
A intervenção psicológica tem uma forte evidência no tratamento deste quadro clínico e, em algumas situações, pode justificar-se a associação de tratamento farmacológico, consoante a avaliação do profissional de saúde - psicólogo e/ou psiquiatra.