Paralisia Facial: o que é e as perguntas mais frequentes
Para ajudar a esclarecer o problema, Hugo Estibeiro, Otorrinolaringologista da Unidade de Paralisia Facial CUF, responde a algumas das dúvidas mais frequentes.
Uma paralisia facial provoca uma profunda alteração na qualidade de vida de uma pessoa. Funções até então naturais, como a capacidade de sorrir e exprimir emoções, de articular claramente palavras, de engolir, de pestanejar ou de encerrar os olhos ao dormir, perdem-se de um dia para o outro.
Esta situação pode ter várias causas, pode apresentar diferentes graus de paralisia, pode reverter espontaneamente em poucas semanas ou, pelo contrário, ser permanente e acompanhada de complicações importantes.
O modo como o doente se vê e se consegue relacionar com os outros é tão afetado como o modo como os outros conseguem interpretar e relacionar-se com o doente com paralisia facial. Todos estes fatores são geradores de dúvidas, angústias e por vezes de depressão.
O diagnóstico, a terapêutica e a reabilitação exigem tempo. O conseguir aceitar esperar esse "tempo" depende muito do entender alguns dados essenciais desta situação clínica.
"Sou professora e tenho 45 anos de idade. Há 15 dias, a dar uma aula, senti a boca presa. No final da aula um aluno perguntou-me o que tinha a minha cara. Quando me vi ao espelho já não era eu."
O que é a Paralisia Facial?
Os movimentos da face (mímica) são assegurados por vários músculos localizados logo abaixo da pele e que, ao se contraírem de um modo coordenado, provocam movimentos da mesma, resultando na abertura ou encerramento dos olhos, da boca e das narinas, ou na realização de expressões faciais capazes de exprimir aos outros estados emocionais, como alegria, tristeza, fúria, perplexidade ou atenção.
Ao contrário dos músculos de um braço ou de uma perna, que podem funcionar um lado independente do outro, na face os músculos dos dois lados da face funcionam de um modo simultâneo, articulado e harmonioso. Todos estes músculos recebem informações elétricas cerebrais através do nervo facial. Quando lesado, qualquer nervo sofre um processo de inflamação com edema (inchaço), que irá alterar a velocidade de condução dos estímulos elétricos.
Na paralisia facial verifica-se uma dificuldade, parcial ou total, na condução dos impulsos elétricos cerebrais através do nervo facial, com alteração da capacidade em fazer contrair os músculos da face.
Como se manifesta a Paralisia Facial?
Os sintomas podem variar de uma ligeira "fraqueza" muscular a uma incapacidade total de produzir movimento num lado da face ou em ambos. Este quadro pode instalar-se rapidamente, em horas, ou de um modo lento e progressivo. A instalação lenta, embora mais rara, obriga a uma investigação rigorosa e rápida da causa de paralisia.
Os doentes podem notar desde uma assimetria ligeira na face, uma incapacidade de realizar expressões emocionais (como sorrir ou franzir a testa), a uma paralisia completa com flacidez e "queda" da face, com dificuldade em controlar o babar, em mastigar, em engolir e em falar.
A nível ocular podem manifestar uma redução do pestanejar espontâneo, um lacrimejo constante, ou uma incapacidade de encerrar o olho, com secura do globo ocular. Todas estas alterações levam a alterações visuais que podem vir a ser irreversíveis, se não forem identificadas e prevenidas precocemente.
Podem ainda surgir alterações auditivas, como a perda de audição ou deformação de sons intensos, e alterações do paladar.
Em alguns casos de paralisia facial podem existir mais sintomas neurológicos (como dores de cabeça, zumbidos, desequilíbrio e incapacidade em articular as palavras), febre, alterações da pele, entre outros.
Com o passar do tempo podem verificar-se movimentos anormais, involuntários e não controlados, no lado da face paralisada, e contraturas musculares no lado não afetado, agravando a assimetria facial e a incapacidade de exprimir emoções através da mímica.
Quais são as causas da Paralisia Facial?
Múltiplas doenças podem afetar o nervo facial causando paralisia facial. Entre as patologias mais frequentes destacam-se:
- Paralisia Facial de Bell (ou idiopática)
- Síndrome de Ramsay-Hunt, resultante de infeção viral
- Doença aguda ou crónica do ouvido (otite média aguda ou otite crónica)
- Infeção geral - Doença de Lyme
- Acidente Vascular Cerebral
- Tumores:
- tumores do nervo auditivo (Neurinoma do acústico / Schwanoma vestibular)
- tumores intracranianos
- tumores do nervo facial
- tumores da parótida, da pele ou da base do crânio
- Traumatismo craniano ou da face
- Após cirurgia neurocirúrgica, otológica ou de glândulas salivares
- Doença neurológica ou neuromuscular
- Doença congénita, presente no momento do nascimento, por trauma durante o parto ou malformação (ex.: Síndrome de Mobius)
"Como posso saber a causa da minha paralisia facial?"
A identificação precoce da causa de paralisia facial é essencial para se poder prever a sua evolução ao longo do tempo, e deste modo intervir rapidamente, tentando impedir a sua progressão, o aparecimento de complicações e obter a máxima recuperação.
Por vezes a paralisia facial é o primeiro sintoma de uma doença mais grave que, se diagnosticada a tempo, pode ser curada.
O diagnóstico baseia-se essencialmente na história clínica (modo como a paralisia se instalou e outros sintomas acompanhantes) e no exame objetivo, podendo requerer consulta de diferentes especialidades. Exames radiológicos (TAC, ressonância magnética nuclear, ecografia) poderão ser úteis para estudar o nervo facial em todo o seu trajeto, deste o cérebro até atingir os músculos da face, detetando lesões que o comprimam ou destruam. Certas doenças poderão ser diagnosticadas ainda por exames laboratoriais ou eletrofisiológicos.
Dado o grande número de causas possíveis, o diagnóstico exige uma lógica e uma sucessão temporal nos pedidos dos exames complementares de diagnóstico e, acima de tudo, uma abordagem coordenada entre diferentes especialistas da Unidade de Paralisia Facial CUF.
"Disseram-me para esperar, que iria recuperar. Quanto tempo vai demorar?"
A evolução da paralisia facial depende da causa que a motivou.
No caso de uma Paralisia Facial de Bell (uma das causas mais frequentes), a paralisia facial aguda é habitualmente seguida de algum grau de recuperação.
Se a lesão do nervo foi incompleta e ligeira, é de esperar uma recuperação total, em algumas semanas, sem consequências a longo prazo. Se a lesão do nervo foi mais grave, a recuperação da função pode ser incompleta, com incapacidade da musculatura facial do lado afetado contrair com a mesma intensidade da outra metade da face, criando uma assimetria.
Se ao fim de 3 meses a paralisia persistir, há grande probabilidade de não haver, sem intervenções terapêuticas, uma recuperação completa.
"Como posso saber se tenho hipóteses de recuperar?"
Na Unidade de Paralisia Facial CUF encontra neurologistas experientes na realização de exames eletrofisiológicos (eletromiografia e eletroneurografia), que permitem determinar o grau de lesão do nervo e a probabilidade deste nervo recuperar, mesmo antes de se verificarem movimentos da face.
"Em vez de melhorar, a minha cara está cada vez mais paralisada"
Todos os casos em que a paralisia facial se instala de um modo lento e progressivo exigem uma investigação diagnóstica aprofundada.
"O olho é o que me incomoda mais"
O nervo facial controla os músculos da face responsáveis pelo pestanejar espontâneo e o encerramento das pálpebras ao dormir. Na paralisia facial não é possível fazer estes movimentos. O olho fica então sem a proteção da lágrima, com elevado risco de se desenvolverem lesões que podem vir a afetar irreversivelmente a visão, mesmo que se venha mais tarde a verificar a recuperação da mobilidade da face.
Alguns doentes, especialmente os idosos ou diabéticos, podem não sentir secura no olho ou os primeiros sinais de lesão ocular. A observação na fase aguda da paralisia facial por um oftalmologista é essencial para se instituírem as medidas de proteção ocular, diurnas e noturnas, de modo a prevenir estas complicações.
Se o compromisso palpebral for muito intenso poderá ser indicado a realização de intervenções cirúrgicas para garantir algum encerramento temporário do olho (colocação de uma pequena placa-peso na pálpebra superior ou tarsorrafia).
Na paralisia facial prolongada, a flacidez das pálpebras poderá causar lesões graves da córnea ou das conjuntivas e deformação estética facial. A resolução desta situação poderá requerer cirurgias mais complexas.
"Há algum tratamento a fazer na fase inicial da paralisia facial?"
O tratamento depende sempre da causa da paralisia.
Na situação mais frequente, Paralisia de Bell, a medicação com corticoides orais nos primeiros dias (se possível nas primeiras 48-72 horas) poderá minimizar o grau de paralisia e acelerar a recuperação. Se se suspeitar de causa viral, podem associar-se medicamentos antivirais com o mesmo objetivo.
O essencial na fase aguda da paralisia são as medidas de proteção do olho, pois as lesões oculares são frequentes, de instalação rápida e podem ser irreversíveis.
Se identificadas precocemente, muitas causas de paralisia facial poderão ser tratadas (por exemplo, paralisias resultantes de otites agudas ou crónicas, de tumores do nervo auditivo ou facial e de tumores da parótida), com recuperação total ou parcial da mobilidade da face.
"Fazer fisioterapia ajuda?"
A fisioterapia desempenha um papel essencial na reabilitação de doentes com paralisia facial ou outras alterações da mímica facial, intervindo em diferentes fases da evolução da doença e dos tratamentos.
Na fase inicial de uma paralisia facial, enquanto se aguarda a recuperação espontânea da condução elétrica do nervo lesado, a fisioterapia é essencial na manutenção da qualidade dos músculos e pele do lado paralisado e na prevenção de contrações excessivas dos músculos do lado da face não afetada.
Nos casos em que exista dificuldade na articulação da fala ou na deglutição (por exemplo, por incapacidade de controlar o encerramento dos lábios), os terapeutas da fala e da deglutição podem ajudar a ultrapassar essa limitação.
Se forem realizadas técnicas cirúrgicas para a reconstrução do nervo facial lesado, ou utilização de estímulos elétricos de outros nervos para controlar os músculos da cara (técnicas de reinervação), terá de se "reprogramar" o modo como o doente pensa e comanda esses movimentos.
Nos casos de paralisia facial de longa duração, sem tratamento, podem verificar-se complicações (como contrações involuntárias de outros músculos faciais) que agravam a deformação facial e a capacidade de comunicar emoções. A fisioterapia tem também um papel essencial na resolução destas condições.
"Melhorei da paralisia facial mas a minha cara não está simétrica"
Na maioria dos casos, a paralisia facial aguda apresenta algum grau de recuperação.
Se a lesão do nervo foi grave, a recuperação da função do nervo pode ser incompleta, com incapacidade da musculatura facial envolvida contrair com a mesma intensidade da outra metade da face, criando uma assimetria. Esta assimetria tem um impacto estético importante e afeta a capacidade do doente expressar emoções e estas serem corretamente interpretadas pelos outros. Obter uma simetria da face em repouso, ao sorrir e ao expressar emoções, é o grande objetivo da reabilitação nos casos de recuperação incompleta.
Na fase inicial da paralisia, se existir um esforço exagerado para tentar voltar a mover a face, pode haver uma excessiva contração dos músculos do lado não afetado, com agravamento da assimetria. Neste caso, o objetivo será corrigir o excesso de contração do lado não afetado, ensinando estratégias e instituindo terapêuticas para recuperação da capacidade de mover a face de um modo harmonioso.
"Nunca recuperei totalmente da paralisia facial, mas o que mais me incomoda é que não consigo controlar alguns movimentos da face - quando sorrio fecho o olho"
Por vezes, a regeneração das fibras do nervo facial faz-se de um modo "anárquico", não seguindo o trajeto correto até aos músculos correspondentes. Deste modo, por exemplo, as fibras que deveriam estimular os músculos em redor da boca podem erradamente enviar estímulos para os músculos em redor do olho. Quando o doente tenta sorrir ou movimentar os lábios, desencadeia involuntariamente o encerramento do olho ou movimento da sobrancelha do mesmo lado, verificando-se contrações involuntárias dos músculos faciais em bloco (sincinesias). Esta sequela agrava ainda mais a assimetria da face e a capacidade dos outros perceberem e interpretarem as expressões faciais do doente.
Esta situação poderá ser corrigida com fisioterapia, injeção de fármacos para "paralisar" alguns músculos faciais (toxina botulínica) ou por métodos cirúrgicos.
"A minha cara está paralisada há meses. Dizem que não há nada a fazer"
Algum tempo após uma paralisia facial, sem regeneração espontânea ou intervenção terapêutica apropriada, verifica-se uma atrofia dos músculos e dos tecidos moles da face, com perda de volume e flacidez no lado afetado.
Nos casos mais graves, para além da alteração estética e da incapacidade de expressar emoções, verifica-se uma incapacidade de encerrar e proteger o olho, com queda da pálpebra inferior e alto risco de desenvolver lesões da córnea com alterações irreversíveis da visão. Do mesmo modo, pode verificar-se colapso da narina no lado afetado, com consequente obstrução nasal, ou colapso do lábio inferior, com um babar constante e dificuldade na articulação da fala.
Nestes casos, o objetivo da equipa médica é ajudar a recuperar a simetria da face, a capacidade de expressar emoções pela mímica e de impedir ou minimizar as sequelas funcionais. Para isso, poderá ser necessário realizar cirurgias, concebidas para se obterem diferentes finalidades funcionais.
Com a finalidade de voltar a obter movimento na face paralisada, podem utilizar-se técnicas de reconstrução do nervo facial lesado ou optar pelo uso de outros nervos para transmitir impulsos elétricos que façam contrair os músculos da face. Frequentemente "desviam-se" fibras do nervo grande hipoglosso (que controla os movimentos da língua) ou do nervo masséter (que controla um dos músculos envolvidos na mastigação), podendo-se ainda usar estímulos elétricos vindos do nervo facial do lado oposto, para se obter a reinervação do lado paralisado. Em casos de grande atrofia dos músculos da face, já sem capacidade de contração, poder-se-á ainda optar por transferir músculos e nervos de outras áreas do corpo para a face. Estas técnicas de reinervação irão requerer uma reabilitação prolongada com fisioterapia e geralmente são necessários vários meses para voltar a observar movimentos na face.
Por vezes, dependendo do grau e da área da face paralisada, da vontade do doente ou da existência de outras doenças, poderão ser indicadas cirurgias que, não visando o voltar a mover a face, asseguram a simetria em repouso, melhorando a estética, a posição e o encerramento do olho ou da boca.
A técnica mais indicada para cada caso é decidida na consulta multidisciplinar da Unidade de Paralisia Facial CUF, onde é também definida a equipa que irá coordenar a reabilitação.
"Posso voltar a ter uma paralisia facial?"
Apesar de não ser o mais frequente, podem ocorrer novos episódios de paralisia facial no mesmo lado ou no lado oposto. Estas situações obrigam a uma investigação diagnóstica específica.
"Vou ser operado a um tumor e fui avisado que poderei ficar com paralisia facial. O que se pode fazer?"
A remoção de certos tumores, pela proximidade com o nervo facial, podem originar trauma ou exigir o sacrifício do mesmo. Se é previsível o sacrifício do nervo facial, podem programar-se previamente as medidas de reconstrução do mesmo (se possível), de reinervação dos músculos da face e/ou de proteção do olho. Essas intervenções poderão ser efetuadas no mesmo momento da cirurgia ao tumor ou numa segunda intervenção. A decisão será tomada em consulta de grupo, envolvendo todos os membros da equipa multidisciplinar e, se possível, com a presença do cirurgião que irá conduzir a cirurgia de tratamento do tumor.