Atraso Global do Desenvolvimento
O que é?
O atraso global do desenvolvimento (AGD) é uma perturbação do neurodesenvolvimento que ocorre numa idade precoce do desenvolvimento da criança e pode-se tornar crónica ao longo da vida.
Desde que nasce a criança desenvolve-se segundo etapas de desenvolvimento psicomotor características a todas as crianças. Assim, existem marcos do desenvolvimento que devem ser atingidos em idades alvo especificas. Quando estas etapas não são cumpridas estamos possivelmente perante um atraso no desenvolvimento. O atraso do desenvolvimento é diferente do atraso maturativo, pelo facto de o desvio na aquisição do marco do desenvolvimento ser mais significativo em termos temporais.
Sintomas
O atraso global do desenvolvimento diz respeito a um atraso em pelo menos dois dos domínios do desenvolvimento da criança: cognição verbal, cognição não-verbal, linguagem, motricidade grosseira, motricidade fina ou autonomia. Este atraso pode ser notado precocemente, como por exemplo quando a criança não consegue começar a andar dentro do tempo ideal de aquisição da marcha (após 18 meses) ou quando não adquire as primeiras palavras até aos 18 meses. Frequentemente o comportamento do bebé/criança é também diferente quando comparado com bebés/crianças da mesma idade, podendo ser excessivamente ativa, birrenta, desatenta, ou pelo contrário, muito passiva, pouco comunicativa e com pouca reação aos estímulos do ambiente e da interação das pessoas.
Causas
O atraso global do desenvolvimento psicomotor resulta de um desenvolvimento intelectual e adaptativo atípico com origem precoce, e pode ser consequência de múltiplas causas (pré-natais, perinatais ou pós-natais). O diagnóstico etiológico mantém-se desconhecido em 50-80 % da totalidade das situações. Enquanto perturbação de causa genética é heterogénea. Para além da sua variabilidade clínica pode ocorrer de forma esporádica ou ser hereditária. Na génese do AGD estão envolvidos inúmeros fatores: genéticos, educacionais, culturais, traumáticos, emocionais e socioeconómicos.
A investigação de genética poderá ajudar a identificar a causa, sobretudo nos casos de AGD moderado a graves.
Diagnóstico
O diagnóstico do AGD é baseado no atraso existente no desenvolvimento psicomotor em mais do que um domínio (cognição, motor, autonomia, linguagem, motricidade fina, cognição verbal, atenção, comportamento). Este atraso deve ser idealmente quantificado em consultas de Psicologia através da aplicação de testes psicométricos, informação dos dados da história da criança e da família e escolares. Para além do AGD será importante verificar se existem outras perturbações do neurodesenvolvimento em comorbilidade, como uma perturbação de linguagem ou uma perturbação de défice de atenção/ hiperactividade. Este diagnóstico pode ser realizado logo durante os dois primeiros anos de vida e até aos 5 anos de idade. A partir desta idade, a nomenclatura mais adequada para uma situação deste tipo poderá ser a de perturbação do desenvolvimento intelectual.
Para este diagnóstico também deverá ser realizada consulta de Pediatria do neurodesenvolvimento para que se possa excluir outras causas clínicas, identificar comorbilidade e para orientação da investigação etiológica da situação. A consulta de Genética é normalmente recomendada, sobretudo nos casos de maior gravidade, ou na presença de alterações fenotípicas, para tentativa de identificação da causa etiológica.
Tratamento
O AGD tem um grande impacto na vida da pessoa afetada bem como respetiva família e sociedade, pelo que o seu diagnóstico atempado é fundamental para que se possa iniciar uma intervenção/tratamento atempado. A intervenção no AGD deverá ser multidisciplinar, uma vez que este atraso atinge mais do que uma área do desenvolvimento. Assim, deverá ser constituído um programa de intervenção que inclua especialidades como a Psicologia, a Psicomotricidade, a Terapia da fala, a Terapia ocupacional ou a Musicoterapia. O número de horas alocado ao programa depende da idade da criança, da gravidade do atraso e do perfil individual, mas no geral, o ideal será uma intervenção mais intensiva numa primeira fase (1h/diária) para que possam ser ultrapassados os défices o mais rapidamente possível. Para além dos técnicos especializados, deverão igualmente ser incluídos os educadores, pelo que a integração escolar deverá ser precoce, assim como os pais. Os pais devem ser um elemento atuante, devendo ser orientados com estratégias parentais sobre a melhor forma de estimular o seu filho em direção aos objetivos definidos nos programas de intervenção. Este trabalho deve ser articulado entre todos os intervenientes.
Prevenção
Muitas causas de incapacidade intelectual não são possíveis de prevenir. No entanto, inúmeras estratégias devem ser implementadas para detetar e diagnosticar precocemente as causas tratáveis (como hipotiroidismo e fenilcetonúria), reduzir os riscos de perturbação do desenvolvimento intelectual, minimizar as sequelas e melhorar a função e o prognóstico das crianças.
A prevenção primária, tem como objetivo prevenir condições que possam causar incapacidade intelectual. São exemplos de intervenções:
- Evitar a exposição pré-natal a álcool, drogas e outros agentes teratogénicos
- Uso de suplementos vitamínicos e minerais no período pré-natal, incluindo acido fólico
- Vigilância pré-natal adequada
- Cuidados perinatais diferenciados
- Teste de rastreio pré-natal alargado (teste do pezinho)
- Programa nacional de vacinação
- Uso de sistema de retenção e transporte automóvel adequado
- Prevenção de acidentes de viação, domésticos e de lazer e de outros traumas
- Prevenção de traumatismos crânio-encefálicos.
O estudo e aconselhamento genético precoce, adequado e atempado devem ser realizados em todos os casos suspeitos.
Existem ainda outros dois níveis de prevenção: secundária e terciária. A prevenção secundária, engloba o tratamento específico de condições com o objetivo de reduzir o risco de AGD e melhorar o prognóstico e a prevenção terciária, reúne as intervenções que visam otimizar a função e qualidade de vida das crianças.
American Psychiatric Association (2013). “Diagnostic and statistical manual of mental disorders: DSM-5 (fifth edition)”. American Psychiatric Publishing Inc, Washington DC.
Nascimento, C. & Bandeira de Lima, C. (2015). Atraso Global do Desenvolvimento psicomotor/Perturbação do Desenvolvimento Intelectual. Em Perturbações do Neurodesenvolvimento. (pp. 24-57), 1ª edição. Lidel.