Entrevista a Marta Gonçalves
A sociedade moderna tende a colocar cada vez mais entraves a uma boa higiene do sono, mas há fatores que ajudam a um sono retemperador e, com isso, a uma melhor saúde, garante Marta Gonçalves, Coordenadora de Psiquiatria e do Centro de Medicina do Sono do Hospital CUF Porto.
O que é, afinal, “dormir bem”?
Podem ser coisas diferentes para pessoas diferentes. Basicamente, é dormir durante a noite de uma forma contínua na quantidade e com a qualidade necessárias, de maneira a que estejamos bem durante o dia, sem cansaço ou sonolência. Poderemos dizer que a maioria das pessoas necessitará entre 7 a 8h de sono mas temos pessoas que, com cinco ou seis horas de sono, ficam bem – os chamados short sleepers – e temos outras que precisam de nove ou dez- os chamados long sleepers. É algo genético que temos de respeitar.
Qual é a importância do sono na nossa vida?
Há estudos que mostram o agravamento da qualidade de vida quando dormimos menos. A insónia aumenta o risco de depressão em cerca de duas vezes e meia. Aumenta também o risco de doença cardiovascular, doença coronária e doenças metabólicas como a diabetes, e baixa a nossa imunidade. Isto além das coisas mais habituais e que todos sentimos quando dormimos pior: alguma fadiga, cansaço, alterações de humor, irritabilidade, queixas cognitivas e dificuldades de concentração.
Quem são os principais “inimigos” do sono?
Quanto melhor for o nosso dia, melhor será a nossa noite. Ou seja, se andarmos agitados e com níveis muito grandes de stresse, vamos dormir pior. Também devemos evitar estimulantes – café, bebidas açucaradas com cafeína, chá preto e chá verde – a partir das 15h00 e os ecrãs de computador, tablet e telemóvel devem ser evitados nas duas horas antes de ir dormir, bem como o trabalho ao computador depois do jantar ou, por exemplo, ir para a cama ver televisão. A luz azul do ecrã vai atrasar a libertação da melatonina, essencial ao sono.
No entanto, muita gente tem televisão no quarto...
É mais saudável ver televisão na sala e ir para a cama apenas quando se tem sono, até para que o quarto seja um espaço diferenciado. É importante não forçar o sono e que cada um de nós perceba quando chega a sua noite biológica. Se a pessoa vê que não adormece ao fim de meia hora, o melhor é levantar-se.
E se a pessoa apenas tiver sono às três da manhã?
A pessoa poderá ter um atraso de fase, com incapacidade de adormecer e acordar às horas convencionais, só conseguindo adormecer muito tardiamente e tendo também muita dificuldade em acordar de manhã. Podemos dizer que nestes casos existe um ritmo biológico atrasado em relação ao habitual. Este desfasamento do ritmo pode ser corrigido com tratamento de fototerapia de manhã ou com melatonina à noite, com tomas programadas de acordo com o ritmo de cada um.
Que sinais devem implicar a procura de ajuda especializada?
Quando as insónias deixam de ser pontuais, se a pessoa sentir que o sono não é reparador, se sentir sonolência durante o dia ou crises súbitas de sono. Os comportamentos noturnos estranhos, como o sonambulismo ou a agitação noturna, também devem levar à consulta de um especialista.
Quais são as principais perturbações do sono?
A insónia é a principal perturbação do sono entre a população em geral. Cerca de 30% da população tem sintomas de insónia transitória e a insónia crónica afeta 9 a 10% da população. Mas o Centro de Medicina do Sono da CUF também é procurado por muitos doentes com hipersónia (sono a mais), com as chamadas parassonias (como sonambulismo ou comportamentos violentos durante o sono) com perturbações do ritmo circadiano e as perturbações do movimento durante o sono (como a síndrome das pernas inquietas).
Que acompanhamento pode o Centro de Medicina do Sono do Hospital CUF Porto oferecer aos doentes?
Temos uma equipa multidisciplinar, com psiquiatras, pneumologistas, neurologistas, psicólogos e técnicos com formação diferenciada, todos com certificação em Medicina do Sono. No que respeita a tratamento, dispomos de fototerapia e de terapia cognitivo-comportamental da insónia. Além disso, trabalhamos em conjunto com a Otorrinolaringologia, Cardiologia e Medicina Dentária. A perturbação do sono é muitas vezes apenas um sintoma e temos de ver o que está por trás, daí a importância de uma abordagem multidisciplinar que permita uma visão global do doente.
Fotografia de Miguel Proença (4SEE)