O diagnóstico do cancro é multidisciplinar

Cancro
8 mins leitura

Radiologia, Medicina Nuclear e Anatomia Patológica são três das especialidades envolvidas no diagnóstico (e não só) do cancro. Fique a conhecê-las.

O sucesso de um tratamento começa na fase do diagnóstico, isto é, na fase de identificação precoce da doença. De acordo com Paula Colarinha, coordenadora da Medicina Nuclear CUF, “qualquer sociedade está mais defendida se estiver bem informada” e, no caso da doença oncológica, essa “informação também vem dos exames auxiliares de diagnóstico”. Daí a importância de um diagnóstico que seja não só precoce, mas também preciso, que é feito através da colaboração de várias especialidades, como a Radiologia, a Medicina Nuclear e a Anatomia Patológica. Quatro especialistas CUF nestas áreas falam sobre o seu papel no diagnóstico do cancro.





A Oncologia é multidisciplinar

“Hoje a medicina não se faz de forma isolada”, afirma Paula Borralho, coordenadora da Anatomia Patológica CUF. José Sardinha, Coordenador de Imagiologia na CUF, concorda, referindo que “a articulação das várias especialidades no diagnóstico do cancro é fundamental nos dias de hoje. Atualmente, os doentes com cancro são abordados de uma forma integrada, por uma quantidade maior de especialidades que se juntam em reuniões multidisciplinares. Tem de haver uma comunicação estreita entre os vários profissionais”. Paula Borralho, completa e acrescenta que “para fazer o diagnóstico tem de haver uma articulação precisa entre a Anatomia Patológica, a Radiologia, a Medicina Nuclear e o médico que acompanha o doente”.

Para um diagnóstico preciso também os recursos disponíveis são muito importantes, nomeadamente “recursos tecnológicos atuais e com capacidade de diagnóstico bastante grande, assim como recursos humanos especializados. Temos equipas clínicas formadas e diferenciadas em diferentes áreas: cabeça e pescoço, patologia pulmonar, gastrointestinal, entre outras”, afirma José Sardinha.

 

O papel da Radiologia no diagnóstico de cancro

“Os métodos de imagem têm um papel importante no diagnóstico do cancro e, no caso particular da Radiologia, é fundamental não só na deteção do cancro numa fase precoce, mas também na identificação do tumor, da patologia presente nesse doente e, mais tarde, no seguimento do tratamento para verificar se está a ser eficaz e se podemos continuar com esse plano terapêutico ou se será necessário alterá-lo”, explica José Sardinha. António Pedro Matos, imagiologista CUF, refere ainda que, “na imagem, conseguimos dizer se existe uma lesão suspeita em determinado local e se a neoplasia é localmente avançada, ou seja, se já está a invadir determinados órgãos ou se existem mesmo já metástases. Isso é determinante para conhecermos a doença e sabermos como vamos planear o tratamento”.

 

Outra vertente desta especialidade é a Radiologia de Intervenção. “Esta tem um papel fundamental na abordagem dos doentes oncológicos não só na fase de diagnóstico, em que fazemos biópsias através de procedimentos minimamente invasivos para enviar o produto para Anatomia Patológica e termos uma diagnóstico definitivo, mas também na utilização de algumas técnicas terapêuticas”, explica o imagiologista CUF José Sardinha.

 

Exames de imagem utilizados em cada tipo de cancro

“Para determinado tumor, usamos um determinado método de imagem. As técnicas radiológicas são várias: raio-X convencional, ecografia, tomografia computorizada (TAC) e a ressonância magnética, para dar alguns exemplos”, enumera António Pedro Matos, indicando os exames de imagem que são habitualmente utilizados em quatro dos cancros mais comuns:

  • Cancro da mama: são utilizadas “a mamografia e a ecografia mamária como métodos de rastreio estabelecido. Já a ressonância magnética mamária é utilizada maioritariamente para estadiamento e para avaliação de lesões que apresentam grandes suspeitas de serem malignas”.
  • Cancro colorretal: “Os métodos utilizados são a TAC e, particularmente no reto, a ressonância magnética”. Também é utilizada a colonoscopia virtual, menos invasiva, que permite obter imagens do cólon, detetar lesões morfologicamente suspeitas e selecionar que doentes devem fazer uma colonoscopia normal.
  • Cancro do pulmão: “A TAC é o método de eleição porque permite-nos perceber a localização exata da lesão, a relação com os vasos sanguíneos e com as vias aéreas.”
  • Cancro da próstata: “A ecografia é um dos métodos amplamente utilizados. No entanto, hoje sabemos que a sua utilização é relativamente limitada na deteção e caracterização das neoplasias da próstata. Neste cancro, a ressonância magnética é incomparável.”

 

Sobre a Medicina Nuclear e o cancro

Em Medicina Nuclear, “existe uma multiplicidade de exames dependente do tipo de radiofármaco utilizado” e, “por haver a possibilidade de utilizar muitos tipos de radiofármacos, a Medicina Nuclear acaba por ter aplicação em várias doenças”, sendo o cancro uma delas, esclarece Paula Colarinha, especialista em Medicina Nuclear CUF. Mas o que é um radiofármaco? Explicando de forma muito simples, é uma “molécula que usamos para atingir um órgão, um tecido específico ou mesmo apenas um determinado grupo celular, e com essa metodologia desvendar uma parte da fisiopatologia de uma doença”, afirma, acrescentando que, “em Oncologia, há um exame que é a tomografia por emissão de positrão (PET) com uma molécula muito parecida com o açúcar - o fluorodesoxiglicose - que tem aplicação em vários tipos de tumores diferentes porque denuncia células que estão a consumir energia e que são de origem tumoral, independentemente de serem do pulmão, da mama, dos rins”. Isto acontece porque este tal açúcar se fixa muito mais nas células tumorais do que nas células normais, permitindo identificá-las.

 

A relação entre a Radiologia e a Medicina Nuclear

“A Radiologia e a Medicina Nuclear são duas especialidades da área de medicina que utilizam a imagem e, por isso, trabalham em conjunto e em algum papel até se sobrepõem. Muitas vezes, os métodos de imagem são complementares”, afirma o imagiologista CUF António Pedro Matos. Contudo, embora ambas as especialidades trabalhem com a imagem, são diferentes. “A grande diferença é a forma como usamos a radiação. Na Radiologia, a radiação é emitida por fontes externas, ampolas de raios-X, que atravessam o doente e nos dão uma leitura das diferentes densidades do corpo humano, com a possibilidade de grande definição anatómica. Na Medicina Nuclear, temos de colocar o radiofármaco (com a radiação) internamente”, para depois a sua localização no corpo humano ser lida pelos equipamentos, explica Paula Colarinha.

Então, mas em que casos trabalham a Radiologia e a Medicina Nuclear em conjunto? Segundo António Pedro Matos, “há determinadas dúvidas que nos surgem na Radiologia normal, como nas TACs ou nas ressonâncias magnéticas, e muitas vezes podemos recorrer a determinados estudos de Medicina Nuclear”, por exemplo, para tentar distinguir se as lesões são ou não malignas. Paula Colarinha explica ainda que “há situações em que, para a Radiologia, um gânglio ainda não é patológico porque não atingiu a dimensão acima da normalidade, mas na Medicina Nuclear já é porque o radiofármaco não devia ter ido para lá e foi”.

 

O que é a Anatomia Patológica?

Tal como indica o próprio nome, “a Anatomia Patológica é a área da medicina que se dedica ao diagnóstico e ao estudo das patologias. Conseguimos, através do exame das células e dos tecidos, chegar a um diagnóstico sempre que há uma patologia com alterações morfológicas ou moleculares. É utilizada em quase todas as doenças, desde doenças causadas por microrganismos, doenças infecciosas, a doenças degenerativas, a doenças inflamatórias e a doenças neoplásicas (cancro)”, explica-nos Paula Borralho, especialista em Anatomia Patológica CUF.

As amostras estudadas podem ser citologias, biópsias ou peças operatórias.

É importante referir que a Anatomia Patológica já não se dedica apenas ao diagnóstico; “hoje já somos também responsáveis por prognóstico e, sobretudo, por orientação terapêutica. Cada vez mais na Oncologia a orientação terapêutica que permita uma terapia personalizada é fundamental”, refere Paula Borralho.

 

No futuro: que avanços tecnológicos se esperam

A medicina está em constante evolução e isso reflete-se em todas as áreas. “A Radiologia tem progredido sucessivamente e é claramente uma especialidade que está altamente influenciada pelos novos avanços tecnológicos, pelas novas descobertas”, afirma António Pedro Matos. Além disso, José Sardinha afirma que, “no futuro, a Radiologia vai estar cada vez mais dependente de algoritmos de inteligência artificial, que, aplicados nos equipamentos, vão-nos permitir identificar precocemente alterações ainda muito subtis, salientando-as”. Ainda sobre a inteligência artificial, António Pedro Matos refere que “o deep learning (conhecimento profundo, em tradução direta para português) permite detalhar algumas características da imagem - como textura e densidade - que o olho humano não consegue detetar, chamando a atenção para determinadas lesões”.

 

Na Medicina Nuclear os avanços também são contínuos: “Surgem  novos radiofármacos com alguma frequência”, resultado da investigação bioquímica e do surgimento de novas terapêuticas, conta-nos Paula Colarinha. “Por outro lado, os equipamentos são importantes, pois vão melhorando a sensibilidade e a resolução e, às vezes, até utilizam menor dose de radiação. Estamos sempre à espera de poder usar um radiofármaco não só para fazer diagnóstico, mas também para realizar tratamentos”, revela.

 

Por fim, na Anatomia Patológica, “neste momento estamos na era da patologia molecular e do diagnóstico molecular, assim como da patologia digital, com algoritmos de inteligência artificial que nos podem apoiar no diagnóstico. Estamos mesmo no princípio, mas vai ser o futuro”, antecipa Paula Borralho, especialista em Anatomia Patológica CUF, afirmando que “esses avanços vão seguramente influenciar o diagnóstico e o tratamento do cancro, para conseguirmos fazer um diagnóstico com mais qualidade e que de uma forma ainda mais precisa consiga orientar a terapêutica.“

Publicado a 22/07/2021
Doenças