Otite do surfista
Ao contrário do que o nome indica, a otite do surfista pode ser provocada por outros desportos além do surf, resultando da exposição ao frio, água e vento.
Nos últimos anos, a otite do surfista (ou surfer ear) tem vindo a ganhar grande significado e a ser cada vez mais motivo de consultas médicas, tanto de otorrinolaringologia como de clinica geral. Sem dúvida que este crescimento está associado ao grande desenvolvimento dos desportos náuticos e, nomeadamente, da prática do surf. São sobejamente conhecidas as excelentes condições que Portugal oferece para a prática deste desporto, sendo célebres e de grande projeção mediática alguns locais como Ribeira d’Ilhas (Ericeira), Zambujeira do Mar, Costa da Caparica, "Supertubos" (Peniche), para não falar das ondas gigantes na Nazaré - talvez o ícone do surf nacional com maior divulgação a nível mundial.
Mergulho, vela, kitesurf e canoagem
Também outros desportos náuticos poderão estar implicados na otite do surfista. Falamos do mergulho, seja em apneia ou de garrafa (principalmente o segundo, tendo em conta o tempo de exposição à água e ao frio), mas também a vela, o kitesurf ou mesmo a canoagem (com menor incidência).
Contudo, o leitor poder-se-á questionar sobre o porquê desta associação, do aumento do número de casos de otite do surfista ou das consequências que daí resultam e que estão relacionadas com a exposição ao frio, à água e ao vento.
Como o ouvido reage à água e ao vento
O ouvido apresenta, na continuidade do pavilhão auricular e até chegarmos à membrana do tímpano, um canal cilíndrico que conduz as ondas sonoras. Este canal é forrado por pele e apresenta pelos e glândulas ceruminosas na porção mais externa.
O nosso corpo tenta, ao máximo, evitar que a água fria e o vento cheguem ou tenham impacto sobre a membrana do tímpano, reagindo com o estreitamento do canal auditivo através do aparecimento de sucessivas camadas ósseas que se vão depositando como osso neoformado.
O que pode acontecer na otite do surfista
Este canal auditivo diminui de calibre progressivamente e adquire a forma de ampulheta, o que vai causar danos, nomeadamente, na expulsão da descamação epitelial e do cerúmen, que passa a ser mais difícil, e, sobretudo, da água - caso esta entre para dentro do ouvido. É frequente encontrar na praia banhistas que, após um banho de mar, estão cerca de dez a 15 minutos aos pulos com o ouvido para baixo tentando que a água saia.
Entupimento, comichão, dor, infeção...
Por outro lado, os ouvidos expostos à água e ao vento podem entupir com muita facilidade, pois o canal obstruído por cera ou por descamação é mais fino e entope mais facilmente. Assim, depois de um crescimento silencioso destas camadas concêntricas de osso (tecnicamente, chamadas de exostoses do canal auditivo externo), que pode levar anos, após muita exposição à água e ao vento, surgem então sensações de entupimento, de comichão e rapidamente de dor, para não falar da infeção subsequente.
O pesadelo do surfista
Estas infeções, chamadas otites externas, são um pesadelo para o surfista e constituem o primeiro aviso para uma consulta ao otorrinolaringologista e para a realização de alguns exames, TAC e audiogramas e, por vezes, cirurgias. A oclusão do canal pode ser total ou subtotal e, além do tratamento médico com antibióticos, anti-inflamatórios e gotas de aplicação local pode chegar-se mesmo à necessidade de uma cirurgia para remoção da exostose e recalibragem do canal auditivo externo.
“Viver” dentro de água
Nesta altura, talvez alguns dos leitores estejam a questionar o porquê desta situação acontecer mais nos dias de hoje. Será que os jovens são diferentes dos de há 20 ou 30 anos? A grande diferença e o que acontece posteriormente está diretamente relacionado com a utilização dos fatos térmicos hoje em dia. Estes deixam poucas zonas do corpo expostas e possibilitam que o surfista, se assim o quiser, possa ficar praticamente o dia inteiro dentro de água “onda acima, onda abaixo” ou no meio de um fantástico túnel.
Visita anual ao otorrinolaringologista
Os ouvidos que estão desprotegidos ficam constantemente molhados e este facto, associado à exposição ao vento e ao frio, promove o aparecimento das exostoses. Como conclusão, para os praticantes de desportos náuticos é obrigatória a visita anual ao otorrinolaringologista, para observação do canal auditivo, limpeza deste e despiste de uma otite do surfista.