Estiramentos e Roturas Musculares

O que é?

As lesões musculares são das mais frequentes no desporto, afetando praticantes amadores e atletas profissionais.

Com frequência, elas resultam de um processo de fadiga muscular, sobretudo em corredores de longa distância.

As lesões musculares resultantes de atividades desportivas podem depender de fatores intrínsecos, relacionados com as características individuais e biológicas, e fatores extrínsecos, relacionados com o meio ambiente (piso de corrida, equipamento desportivo, condições climáticas, etc.).

As corridas de longa distância tendem a causar lesões intrínsecas, como as tendinopatias, bursites, fasceítes, fraturas de stress e lesões musculares. As lesões musculares afetam os corredores principalmente durante os treinos de velocidade.

Os atletas de competição podem apresentar maior predisposição para este tipo de lesão pela alta intensidade dos seus treinos. 

O estiramento muscular é uma lesão indireta frequente entre os corredores. Resulta de um alongamento excessivo das fibras musculares para lá da sua capacidade normal de trabalho, decorrente de ciclos intensos de contração e relaxamento do músculo envolvido.

Os músculos posteriores da coxa, os músculos gémeos, a musculatura interna da coxa e o músculo anterior da coxa são os mais susceptíveis a esta lesão, também conhecida por distensão muscular. 

Os estiramentos tendem a ocorrer na junção entre o músculo e o tendão, que corresponde à área de menor resistência do músculo, ou na inserção do tendão no osso. Contudo, podem ocorrer noutras localizações.

A classificação das lesões musculares tem variado ao longo do tempo e, de um modo geral, baseia-se na gravidade da lesão, na quantidade de tecido afetado e na perda funcional. Deste modo, consideram-se 3 categorias: grau 1, onde não existe lesão muscular apreciável; grau 2 com lesão muscular e redução na força muscular; grau 3, com rotura completa e total perda de função do músculo afetado.

Como tal, faz sentido abordar em conjunto estas diversas lesões que correspondem a graus diferentes de um mesmo processo traumático

Sintomas

O sintoma mais característico é uma dor intensa no músculo, seguida de compromisso da função muscular a ponto de implicar a interupção da actividade.

Como se referiu, os estiramentos podem ser classificados de acordo com as dimensões da lesão, sendo os sintomas diferentes em cada caso:

  • Grau I – estiramento de uma pequena quantidade de fibras musculares (< 5% do músculo). A dor ocorre num ponto específico, surge durante a contração muscular contra uma resistência e pode estar ausente durante o repouso. O inchaço pode estar presente, mas, de um modo geral não é evidente. Ocorrem danos estruturais mínimos, a hemorragia é pequena, a resolução é rápida e a limitação funcional é leve. Apresenta bom prognóstico e a restauração das fibras é relativamente rápida.
  • Grau II – o número de fibras lesionadas e a gravidade da lesão são maiores ( > 5 e < 50% do músculo), com as mesmas características da lesão de primeiro grau, porém com maior intensidade. Acompanha-se de dor, moderada hemorragia, processo inflamatório local mais acentuado e redução da função muscular. A resolução é mais lenta.
  • Grau III - ocorre uma rotura completa do músculo ou de grande parte dele (> 50% do músculo), resultando numa importante perda da função com presença de um defeito palpável. A dor pode variar de moderada a muito intensa, provocada pela contração muscular passiva. O inchaço e a hemorragia são grandes.

Uma rotura completa é muito rara, sendo as roturas subtotais mais frequentes.

Causas

Fatores como a fadiga muscular e a presença de lesões prévias devem ser considerados na prevenção dos estiramentos e roturas musculares.

Existem diversos fatores de risco para estas lesões: deficiências de flexibilidade, desequilíbrios de força entre músculos de ações opostas (agonistas e antagonistas), lesões musculares antigas, distúrbios nutricionais e hormonais, infecções, fatores relacionados com o treino, má coordenação de movimentos, técnica incorreta, sobrecarga e fadiga muscular, má postura durante a execução do treino, discrepância de comprimento dos membros inferiores, diminuição da amplitude de movimento e a insuficiência no aquecimento inicial antes da prática dos exercícios.

Um correto aquecimento é essencial porque estimula a produção de líquido sinovial pelas membranas sinoviais (película de revestimento articular). Esse líquido lubrifica e alimenta a cartilagem articular. Um aquecimento de 10 minutos aumenta em 13% a produção deste líquido.

Diagnóstico

O diagnóstico é essencialmente clínico, sendo complementado pela ecografia, ressonância magnética e tomografia computorizada.

Como regra, recomenda-se começar o diagnóstico pela história detalhada da ocorrência, seguida de uma observação médica minuciosa.

Quando se suspeita de lesão da estrutura do músculo, a ressonância magnética é muito importante, por permitir observar o padrão e a extensão dessa lesão, bem como o grau de envolvimento do tendão.

Tratamento

A aplicação de gelo na região afetada em ciclos de 10 a 15 minutos, através de bolsa envolvida por tecido fino para proteção da pele, e o recurso a uma compressão do local atingido são importantes medidas de tratamento. O membro deve permanecer elevado e em repouso, devendo o período de imobilização ser o mais curto possível de modo a se evitar a perda de força muscular e de sensibilidade do movimento.

Os analgésicos são úteis e os anti-inflamatórios devem ser utilizados com cautela porque podem comprometer o mecanismo de reparação tecidual.

Todas estes gestos, que visam a diminuição da dor e o controlo do inchaço, podem ser aplicados nas primeiras 24-48 horas. Após este período, recorre-se à fisioterapia, onde se pode incluir o uso de ultra-sons para ajudar a regeneração dos tecidos.

Por volta da terceira semana devem ser iniciados os exercícios para recuperação da força muscular e da amplitude de movimento das articulações envolvidas.

A intervenção cirúrgica é necessária em pacientes com grandes hematomas intramusculares, lesões ou roturas completas (grau III) e lesões parciais em que mais da metade do músculo esteja roto.

A intervenção cirúrgica também pode ser considerada se o paciente se queixa de dor persistente por mais de quatro a seis meses, particularmente se houver défice de extensão.

Após a reparação cirúrgica, o músculo deve ser protegido por uma banda elástica ao redor do membro a fim de promover uma relativa imobilidade e compressão. A duração da imobilização naturalmente depende da gravidade do trauma.

Se a falha muscular for muito extensa, a porção desnervada pode gerar um défice neurológico permanente com consequente atrofia muscular. Nestas circunstâncias, a cirurgia aumenta as hipóteses de reinervação e o desenvolvimento de tecido cicatricial espesso pode ser evitado.

Prevenção

As medidas de prevenção são importantes tanto para as crianças como para os adultos que se envolvem em práticas desportivas. De facto, as crianças apresentam um risco mais elevado de lesão mas estas lesões tendem a ser mais graves nos adultos.

Como regras gerais, o aquecimento é crucial em qualquer idade, bem como a utilização de equipamento adequado.

O nível de atividade deve ser aumentado de forma gradual e todo o corpo deve ser exercitado, o que permite evitar as lesões musculares e melhorar a resistência, força e flexibilidade.

Os limites de resistência individuais devem ser respeitados, sendo perigoso procurar ultrapassá-los. É importante não praticar desporto quando se está doente ou debilitado.

A aprendizagem e correta aplicação das técnicas específicas de cada desporto ajuda a minimizar a ocorrência de lesões.

A adopção de hábitos alimentares saudáveis e a manutenção de um peso adequado são essenciais neste domínio como em todos os outros.

Fontes

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