Desafios de viver com a doença de Parkinson
A doença de Parkinson tem um grande impacto na qualidade de vida. Neurologista, doente de Parkinson e cuidadora partilham os desafios colocados pela doença.
O tremor é provavelmente o sintoma que mais associamos à doença de Parkinson, mas a doença é muito mais do que este sintoma e pode ter um grande impacto não só na vida de quem recebeu este diagnóstico, como daqueles que lhes são próximos. Fradique Moreira, neurologista CUF, explica que doença é esta, como é esperado que evolua, que tratamentos têm devolvido alguma normalidade às rotinas dos doentes e a importância do papel do cuidador informal no acompanhamento do doente.
O que é a doença de Parkinson e o que acontece no cérebro
A doença de Parkinson é uma doença neurodegenerativa, em que há “uma perda progressiva de células numa área específica do cérebro, que é a substância nigra, responsáveis pela produção de dopamina. Este neurotransmissor é fundamental para o controlo do movimento, para que seja harmonioso”, explica o neurologista Fradique Moreira. “Quando existe essa perda de células e de produção de dopamina, começam a surgir os primeiros sintomas motores da doença, que levam frequentemente o doente a procurar ajuda médica”, acrescenta, enumerando-os:
1. Bradicinesia
Corresponde a uma lentificação do movimento, sintoma fundamental para se fazer o diagnóstico da doença e que pode estar associado a outros.
2. Tremor de repouso
Surge quando o doente está distraído a ver televisão ou numa conversa, não sendo aquele tremor de quando utiliza as mãos para pegar em algum objeto. No início da doença, é mais unilateral: começa num lado do corpo, frequentemente na mão, embora possa surgir no pé.
3. Rigidez muscular
É habitualmente identificada em contexto de consulta e consiste numa dificuldade na mobilidade articular, em que se observa uma resistência.
Se por um lado temos estes sintomas motores, “aqueles que são visíveis e identificados pelo doente, frequentemente também pelos familiares”, por outro lado, existem “sintomas não motores da doença e que podem surgir até vários anos antes dos primeiros sintomas motores”, acompanhando a evolução da doença e comprometendo a qualidade de vida do doente, explica o médico. Um desses sintomas é a hiposmia, a diminuição do olfato, “um sinal não motor que pode surgir cinco, dez anos antes dos primeiros sintomas motores”, esclarece.
Podem também surgir alterações de humor, nomeadamente, depressão e ansiedade, e alterações do sono REM. Ou seja, “o doente pode ter sonhos muito agitados, pesadelos frequentes e frequentemente os companheiros queixam-se de o doente gesticular muito durante a noite, ter movimentos bruscos”, refere.
Causas da doença de Parkinson
A doença de Parkinson é de origem multifatorial - combinando características individuais, genéticas e ambientais - e “ainda não se sabe exatamente qual é a causa que espoleta todo este processo degenerativo, nomeadamente a perda de células dopaminérgicas na substância nigra e depois de outras áreas do sistema nervoso central responsáveis pelos sintomas não motores”, refere Fradique Moreira. Já se sabe, contudo, que “a componente genética é importante, ou seja, há pessoas que têm mutações genéticas como fator para desenvolverem a doença de Parkinson”. Estas alterações podem ser, por exemplo, no gene da parkina, no gene da LRRK2 ou também alterações genéticas que não são causa direta, mas são um importante fator de risco para o desenvolvimento da doença, como as mutações no gene da glucocerebrosidase”, explica “Além das características genéticas individuais, há outros fatores associados a um aumento de risco, como exposições ambientais, a pesticidas, herbicidas”.
Como é feito o diagnóstico da doença de Parkinson?
A observação, a anamnese e o exame físico do doente em contexto de consulta são o primeiro passo para detetar a doença. Isto é, trata-se essencialmente de um diagnóstico clínico, em que o médico faz a “avaliação dos principais sinais e sintomas motores e não motores da doença”, sendo “a avaliação da bradicinesia fundamental para se ter o diagnóstico através de manobras específicas feitas em consulta”, explica Fradique Moreira. Perante uma suspeita, podem ser realizados exames complementares para confirmar o diagnóstico clínico, “com recurso a estudos de imagem cerebral funcional, como, por exemplo, a realização de uma PET (Tomografia por Emissão de Positrões), que avalia os transportadores de dopamina pré-sinápticos (DaTSCAN) e que na doença de Parkinson estão diminuídos. Também podem ser realizados estudos de imagem cerebral estrutural, para excluir outras causas que podem estar associadas a parkinsonismo”, esclarece.
Doença de Parkinson na primeira pessoa
“O primeiro sintoma foi o tremor na perna direita”, lembra Ana Maria Mendes. “A minha mãe tinha tido Parkinson, portanto, eu identifiquei rapidamente que aqueles sinais eram de Parkinson, fui à médica e ela confirmou. Ainda trabalhei dois anos após o diagnóstico, porque não se notava muito, estava muito no início. Depois começou a evoluir, há 20 e tal anos que isto aconteceu, portanto, tem vindo a evoluir lentamente, para minha sorte, mas às vezes é difícil, claro”, desabafa.
A evolução da doença Parkinson
“A doença de Parkinson evolui em diferentes estadios”, afirma o neurologista Fradique Moreira, explicando-as:
1. Fase prodrómica
É a primeira fase e ocorre antes do surgimento da fase motora inicial, havendo um “conjunto de sintomas não motores, como a hiposmia e alterações do sono REM, que podem surgir até vários anos antes dos primeiros sintomas motores”.
2. Fase motora inicial
Dura três a cinco anos e ocorre “quando o doente começa a manifestar um tremor de repouso, frequentemente de um lado do corpo, começa a manifestar bradicinesia, e aí temos a fase inicial da doença, que já corresponde a uma perda de células dopaminérgicas na substância nigra superior a 70 %. Portanto, estamos já a falar de um processo degenerativo bastante avançado. Habitualmente, é neste período que o doente começa a tomar medicação, entrando assim numa ‘fase de lua de mel’. Nesta fase, o doente praticamente deixa de apresentar sintomas, uma vez que ainda possui células dopaminérgicas capazes de produzir dopamina, não estando totalmente dependente da medicação”.
3. Fase de flutuações motoras
“Nesta fase intermédia, o doente começa a tornar-se cada vez mais dependente da medicação, pois a produção endógena de dopamina já não é suficiente. Durante este período, surgem flutuações motoras. Após a toma da medicação e com o efeito a manifestar-se, o doente fica sem sintomas ou com poucos sintomas. No entanto, a duração do efeito do fármaco começa a diminuir, o que provoca as referidas flutuações motoras, exigindo uma administração mais frequente. Além disso, o aumento da dose da medicação pode resultar no desenvolvimento de discinesias, que são movimentos involuntários e irregulares, frequentemente desconfortáveis para o doente.”
4. Fase avançada
“Além das flutuações motoras, uma dependência cada vez maior dos fármacos e já com muito pouca ou quase nenhuma produção de dopamina endógena, o doente também tem um agravamento dos sintomas não motores da doença - distúrbios do sono REM, não dorme bem, tem um sono muito agitado; alteração do humor, com depressão, ansiedade; começa a desenvolver alterações cognitivas, demência. Nesta fase avançada da doença, o doente começa também a apresentar sintomas motores axiais que não respondem de maneira eficaz à medicação dopaminérgica. Nestes casos, pode-se observar sintomas como hipofonia, disfagia (dificuldade na deglutição) e um andar progressivamente mais difícil. Isso inclui ‘congelamento’ da marcha, uma situação em que o doente sente os seus pés a ‘colarem’ ao chão, especialmente ao atravessar espaços apertados ou com muitas pessoas, o que aumenta significativamente o risco de quedas. Esses sintomas motores proeminentes, combinados com sintomas não motores igualmente intensos que se acumulam ao longo dos anos, comprometem significativamente a qualidade de vida das pessoas com doença de Parkinson.”
Fármacos para o tratamento da doença de Parkinson
No tratamento da doença de Parkinson, existem várias opções, quer farmacológicas quer não farmacológicas.
“Numa fase inicial, regra geral os doentes são medicados com terapia farmacológica oral”, refere Fradique Moreira, acrescentando que “o fármaco mais eficaz para o tratamento da doença de Parkinson é a levodopa, que é convertida no sistema nervoso central em dopamina”.
À medida que a doença evolui, é importante ir adaptando a medicação. De acordo com o médico neurologista, “passada aquela fase de lua de mel, os três a cinco anos, quando começam a surgir as primeiras flutuações motoras, podemos acrescentar fármacos para otimizar a levodopa e para prolongar o seu efeito a nível do sistema nervoso central”. Além destes fármacos potenciadores da levodopa, existem também “outros grupos farmacológicos, como os agonistas dopaminérgicos, os anticolinérgicos, entre outros”, afirma.
Estratégias terapêuticas não farmacológicas
Além das terapias farmacológicas orais existem também as não farmacológicas, que “melhoram também o prognóstico da doença e os próprios sintomas motores e não motores, como, por exemplo, a prática de exercício físico ou programas de fisioterapia direcionados para o doente; uma alimentação saudável, regular, definida com um nutricionista; a reabilitação cognitiva, o treino cognitivo, através de técnicas e estratégias para ajudar o doente a lidar com os desafios da doença de Parkinson, como problemas de memória, atenção e linguagem. Por exemplo, os jogos de memória, a resolução de puzzles, palavras cruzadas, exercícios de leitura e escrita criativa, simulações de tarefas diárias, aprendizagem de novas habilidades e a estimulação Cognitiva Computadorizada com recurso a programas de computador e aplicativos que oferecem tarefas desenhadas para estimular funções cognitivas específicas”, enumera o especialista em Neurologia.
Quando a medicação oral deixa de ser suficiente
“Na fase intermediária da doença, quando as flutuações se tornam difíceis de gerir apenas com a medicação oral, e surgem complicações associadas tanto à própria doença quanto ao uso dos medicamentos, os doentes tornam-se candidatos às designadas terapias avançadas para a doença de Parkinson”, explica Fradique Moreira, referindo: “Temos como exemplo paradigmático a cirurgia de Parkinson, por exemplo, através da estimulação cerebral profunda, ou a administração de fármacos por via subcutânea. Em Portugal, temos disponíveis, por exemplo, a apomorfina (um potente agonista dopaminérgico, que se liga diretamente aos recetores pós-sinápticos) ou a levodopa subcutânea, recentemente aprovada em Portugal para a administração por esta via”.
Sobre a estimulação cerebral profunda (a cirurgia de Parkinson)
A cirurgia de estimulação cerebral profunda, “consiste em introduzir cirurgicamente uns elétrodos numa região específica do cérebro, que depois são conectados a um gerador implantado subcutaneamente - normalmente, por baixo da clavícula - e que fornece estímulos de baixa intensidade, modulando a atividade cerebral anómala”, explica Fradique Moreira, referindo que funciona de forma semelhante ao “pacemaker cardíaco, mas neste caso é um pacemaker cerebral”. O neurologista esclarece ainda que “não é um tratamento curativo, mas, ao modular esta atividade cerebral anómala, permite reduzir e bastante os sintomas da doença, como os tremores, a rigidez, a bradicinesia, mas também alguns sintomas não motores, como melhorar o sono. Portanto, é uma terapia que traz uma qualidade de vida muito importante para estes doentes”, e, quando é bem sucedida, permite “reduzir entre 50 % a 80 % a medicação dopaminérgica de base que o doente está a fazer”.
Nem todos os doentes de Parkinson são candidatos à cirurgia, havendo critérios de seleção bem definidos que devem ser cumpridos, entre eles a idade - até aos 70 anos, 75 em casos excecionais. ”Antes de considerar o tratamento cirúrgico, deve ser realizada uma avaliação neuropsicológica e psiquiátrica para excluir demência, outro tipo de comprometimento cognitivo ou doença psiquiátrica não controlada. Além disso, é necessário realizar uma ressonância magnética cranioencefálica para excluir alterações estruturais que possam inviabilizar a cirurgia. Após a exclusão de todas as contraindicações, uma consulta multidisciplinar (neurologista, neurocirurgião, psiquiatra, neuropsicólogo, anestesista) será realizada em conjunto com o doente e cuidador principal/familiares para decisão terapêutica final”, explica.
O impacto da doença de Parkinson na qualidade de vida
“Mudou imenso a minha qualidade de vida. Tive de me adaptar a muita coisa. A primeira foi a impossibilidade de conduzir, não posso conduzir, não posso sair de casa sozinha, não posso ter uma atividade regular. Quando me reformei fui fazer umas horas de voluntariado, mas tive de deixar por causa das quedas que aconteceram. O doente de Parkinson tem de estar sempre a pensar no movimento que vai fazer, porque se não pensar, desequilibra-se e cai”, partilha Ana Maria Mendes, diagnosticada com a doença.
Atualmente, faz o tratamento com caneta de apomorfina, que consiste em injetar o medicamento com uma seringa: “Isto faço em casa, não tenho problema, não há dificuldade nenhuma. Eu própria aprendi rapidamente a injetar e sei a dose que ponho. Faço normalmente duas vezes por dia”.
Após a adoção deste tratamento, sentiu melhorias: as dificuldades “que eu estava a notar eram no movimento. Sentia-me presa e com os pés colados ao chão. Às vezes, não conseguia sair do sítio. Agora, com a apomorfina, passado algum tempo sinto-me mais liberta, sou mais capaz de me mexer, com mais naturalidade”.
A importância de uma abordagem multidisciplinar
“A abordagem multidisciplinar é fundamental no tratamento dos doentes com doença de Parkinson, quer nas fases iniciais quer nas fases mais avançadas”, refere o neurologista Fradique Moreira, pois “os doentes não têm só alterações motoras, também têm alterações não motoras, como alterações do humor, depressão, ansiedade, e frequentemente é grave. Portanto, é necessário apoio de um psiquiatra que entenda a doença de Parkinson, porque se tiver que implementar um antidepressivo ou alguma medicação, vai ter que entender que é um doente que está a fazer muita medicação dopaminérgica, e, portanto, evitar as interações medicamentosas”. O médico dá ainda o exemplo dos doentes que são candidatos a intervenção cirúrgica: “Precisam de um neurocirurgião com conhecimento na área da cirurgia funcional de estimulação cerebral profunda”. Também o neuropsicólogo e o fisioterapeuta (ajuda não só a fazer treino de marcha, treino de equilíbrio, evitando as quedas, mas também melhorando o próprio prognóstico da doença e até melhorando alguns sintomas não motores como depressão e ansiedade) devem integrar a equipa clínica que acompanha o doente.
Na perspetiva de quem cuida
Silvana Nunes é cuidadora do seu marido, João Sousa Nunes, desde 2010. “Ele foi diagnosticado com Parkinson em 2010 e, desde o começo, sempre procurámos o melhor para ele no tratamento”, partilha. Até há cerca de seis anos, o casal manteve-se a viver no Brasil, com João a fazer medicação. Quando esta deixou de fazer efeito, passaram a vir anualmente a Portugal - passavam seis meses cá e seis meses no Brasil -, onde começaram um tratamento que, conta Silvana Nunes, “ajudou bastante”. Em 2023, mudaram-se a tempo inteiro para Portugal, pois João Sousa Nunes começou a realizar o tratamento com apomorfina, administrada através de uma bomba. “A vida com o portador de Parkinson não é fácil, nem para ele nem para quem cuida”, conta Silvana Nunes, referindo que “é um dia inteiro ajudando ele, porque tem momentos que ele está bem e faz tudo sozinho. Mas sempre tem que ter um acompanhamento, que eu tenho medo que ele caia ou qualquer coisa assim. Então, o dia a dia é muito difícil, mas não é nada impossível. A gente faz”.
Silvana Nunes conta que faz por se manter atualizada relativamente à doença do marido: “Através do telefone, tenho uma app instalada que me manda notícias sobre portadores de Parkinson, tratamentos, o que a gente, cuidadores, pode fazer para ajudar. Então, eu acho que a gente tem que sempre estar atualizado, principalmente quem cuida, que é para saber o apoio que tem que dar, principalmente psicologicamente”.
Cuidador: um aliado valioso que também deve ser cuidado
O cuidador é um elemento muito importante no tratamento e acompanhamento do doente de Parkinson, pelo que deve haver uma relação de proximidade entre este e a equipa que segue o doente. O cuidador deve estar presente não só nas primeiras consultas, como nas de seguimento para compreender o que é a doença e como evolui. Contudo, para cuidar bem de outra pessoa, é fundamental que ele próprio se sinta bem e, portanto, a relação de proximidade não deve ser apenas em benefício do doente, mas também do seu cuidador, identificando possíveis situações de burnout. Trata-se de “um cansaço do cuidador, que nós conseguimos identificar, pois já o vamos conhecendo” e “percebemos quando é que o familiar precisa de apoio”, explica Fradique Moreira. “Não só o doente, muitas vezes, precisa de um apoio psicológico para gerir os problemas que vão acontecendo relativamente à doença e como gerir as dificuldades psicossociais que surgem, mas o próprio familiar também precisa deste apoio”, acrescenta.
Silvana Nunes partilha a sua experiência enquanto cuidadora do marido João Sousa Nunes: “É importante que o cuidador cuide de si mesmo, mas é difícil. No meu caso, o meu tempo é 98 % em benefício do meu marido”. Contudo, é muito importante conseguir “dar a volta” a essa situação. “Procuro fazer algumas coisas que me liberam um pouco a cabeça. Todo o cuidador devia praticar mais exercício, ter uma vida paralela, com o que gosta de fazer, é muito importante”, salienta.