Desporto e a rotina das crianças: encontrar o equilíbrio
Gerir as rotinas das crianças atletas e certificar-se de que nenhuma área sai prejudicada não é fácil. É essencial que os pais tenham alguns cuidados.
Os benefícios da prática de desporto, em qualquer idade, são incontornáveis. No entanto, a gestão da rotina de um filho atleta nem sempre é fácil para os pais e requer alguns cuidados. É necessária a gestão do horário dos treinos com o horário das aulas e ainda conciliá-los com o horário laboral dos pais, que necessitam de ter disponibilidade para levar e trazer os filhos dos treinos. Mas, na verdade, além da escola e dos treinos, as crianças necessitam de tempo para estudar, tempo para dormir, para comer e, muito importante, tempo para descansar, estar com a família e... tempo para brincar.
Conversámos com Maria João Cascais, médica especialista em Medicina Desportiva, e damos-lhe algumas diretrizes para que a rotina do seu filho seja equilibrada e saudável.
Idade da criança vs. horário dos treinos
Em primeiro lugar, tem de haver bom senso na escolha dos horários dos treinos da atividade desportiva que a criança pratica. Conforme explica Maria João Cascais, é essencial ter em conta a idade da criança: "Treinos às 20h, para uma criança de dez anos, por exemplo, não lhe dão tempo suficiente de descanso e não são razoáveis. A criança deve dormir cerca de 8-9 horas por noite, no mínimo, senão não recupera de um dia para o outro. Idealmente, os treinos de crianças de dez anos devem ser às 17h30, 18h, para a criança ter tempo para descansar e para dormir".
Equilíbrio entre desporto e a rotina das crianças
Maria João Cascais salienta ainda que “a criança não pode sair da escola para o treino, do treino para casa, fazer os trabalhos de casa e depois ir dormir. A criança precisa de uma pausa, de tempo livre. Os pais, hoje em dia, esquecem-se muito disso. Estão preocupados com a competição, com a prestação escolar, com os resultados, com aquilo que espera as crianças no mundo do trabalho e depois esquecem-se que elas precisam de tempo para ‘respirar’".
Também é preciso considerar o horário dos pais
Outro fator que tem de ser pesado na balança é a disponibilidade dos pais ou de outro membro da família para ir levar a criança ao treino e trazê-la de regresso a casa quando este terminar. "Os pais, quando inscrevem a criança em determinada atividade, devem pensar se o horário desta é compatível com os seus próprios horários, senão vão viver em conflito o ano inteiro. Existe outro horário ou outra atividade com um horário mais conveniente? Há alguém para substituir os pais se estes não puderem ir levar e buscar a criança ao treino? Se não conseguirem resolver estas duas questões, têm duas opções: vivem em conflito e a correr ou aceitam as coisas como estão", explica a médica.
Alimentação de um desportista
As necessidades energéticas de uma criança que pratica desporto de forma intensiva vão ser elevadas. Assim, conforme refere Maria João Cascais, o que a criança que pratica desporto necessita é de "uma alimentação rica em proteínas, fruta e vegetais, hidratos de carbono de digestão lenta (massas, arroz, cereais, leguminosas, pão de cereais) e produtos lácteos. Tudo que é pré-embalado, pré-cozinhado, deve ser evitado. As crianças também não precisam de sumos de pacote nem de lata. Precisam, sim, de fruta. Nem devem beber sumos às refeições, só ao lanche e de vez em quando. Todos os sumos do mercado têm açúcar em excesso. Cada vez que os pais estão a dar um sumo a uma criança, estão a dar-lhe açúcar em excesso", alerta ainda a médica.
Antes, durante e a seguir ao treino
Como descreve Maria João Cascais, "antes de um treino a alimentação deve ser leve, composta por fruta, iogurte, pão (com queijo ou fiambre). Os pais devem evitar dar à criança alimentos pré-preparados e metidos em pacotes, que estão na origem do problema da obesidade infantil que temos hoje em dia em Portugal".
A título de exemplo, a médica explica que "se a criança tiver um treino às 18h30 deve fazer um lanche reforçado ou, se não se sentir bem para treinar com o estômago muito cheio, os pais devem disponibilizar um pequeno lanche para ela comer depois do treino. Quando chegar a casa deve jantar e realizar algumas pequenas tarefas ou atividades para não haver problemas digestivos antes de se deitar".
Hidratação é essencial
"As crianças devem levar sempre uma garrafa de água para o treino e, se os pais quiserem, podem juntar à água um bocadinho de sumo de laranja, para o sabor ser mais agradável", salienta Maria João Cascais, acrescentando que, em relação às bebidas energéticas, estas "não são necessárias. Se os pais quiserem dar, em vez de água, uma bebida energética simples, que só tem hidratos de carbono, sódio e vitaminas, podem dar. Mas não é necessário e é uma despesa a mais".
Pais: cuidado!
Quando a atividade desportiva começa a dominar todas as esferas da vida da criança, os pais devem estar vigilantes e, até, fazerem uma autoavaliação. É que, por vezes, são os próprios pais que "forçam" os filhos a inscrever-se em determinada atividade (que, por sinal, até era o desporto que os pais gostariam de ter praticado quando eram jovens), e a pressão que exercem, mesmo sem se aperceberem do facto, para que a criança tenha um bom desempenho desportivo, com tudo o que isso implica, pode ser-lhe prejudicial, com repercussões a nível físico e emocional.
Treinos demasiado intensivos? Sinais de alarme
Na opinião da médica especialista em Medicina Desportiva, "hoje em dia, a partir dos dez anos, e às vezes até antes, as crianças treinam tempo a mais. Os pais têm de estar atentos e ver se as crianças não a estão a ter treinos a mais e se o tempo que as crianças passam no treino está a ser bom para a saúde delas, se estão a emagrecer, se adormecem nas aulas, se os professores se queixam que estão desatentas. Quando o treino intensivo prejudica a atividade escolar da criança, é porque não é bom para ela. Da mesma forma, os treinos bidiários não são aconselháveis para crianças com menos de 12 anos", alerta ainda.
Prevenir lesões
Conforme elucida a médica, uma das formas de prevenir lesões "é através de uma alimentação equilibrada e, sobretudo, através de uma boa hidratação. Mas não só: as lesões previnem-se com um calçado, vestuário e terreno adequados, um bom aquecimento e uma boa recuperação a seguir ao treino".
Atenção!
Os suplementos nutricionais "só podem ser recomendados pelo médico e a maior parte das crianças não precisa de tomar nada. Tem de se ter muito cuidado com isso e os pais não devem dar às crianças nada que é recomendado pelos ginásios, treinadores ou mesmo pelos próprios colegas", reforça Maria João Cascais.