A Medicina Desportiva também cuida do coração

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Desporto
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A Cardiologia e a Medicina Desportiva são duas especialidades que "trabalham" em sinergia. Rita Tomás explica a sua importância na prática desportiva segura.

“A Medicina Desportiva é uma área transversal a várias áreas médicas, sendo a Cardiologia uma das com as quais se articula de forma muito forte”, começa por dizer Rita Tomás, especialista em Medicina Desportiva. Esta articulação está presente não só na “avaliação da segurança da prática desportiva no atleta de elite e no atleta recreativo, mas também muitas vezes para encontrar formas de aumentar o rendimento desportivo, nomeadamente nos atletas de alta competição”, acrescenta.

Neste vídeo, Rita Tomás explica o papel da Cardiologia na Medicina Desportiva, incluindo os cuidados a ter para manter a saúde do coração na prática de desporto.



O exame médico-desportivo

Numa consulta de Medicina Desportiva, à semelhança do que acontece em muitas outras especialidades, a primeira abordagem consiste na recolha da história pessoal (nomeadamente, sobre a sua saúde, antecedentes desportivos, entre outros) e familiar (saúde dos familiares mais diretos) do atleta. Depois, é feita uma avaliação clínica, que, segundo Rita Tomás, inclui:

  • Inspeção geral e medição do peso e da altura
  • Avaliação sumária da audição e da visão
  • Exame abdominal
  • Exame estomatológico (dentes)
  • Exame ao aparelho cardiorrespiratório, com avaliação dos pulsos periféricos, da pressão arterial, da frequência cardíaca e também uma auscultação cardíaca e pulmonar

 

“Depois desta avaliação clínica e dependendo da idade do atleta, podem ser adicionados alguns exames. Até aos 35 anos normalmente é utilizado o eletrocardiograma simples em repouso; aos atletas com mais de 35 anos normalmente pede-se a prova de esforço (um eletrocardiograma feito com exercício físico, habitualmente em tapete rolante) e algumas análises. Desta forma, é possível ter uma visão geral da saúde do atleta e promover uma prática de atividade física segura”, esclarece a especialista em Medicina Desportiva. Poderá ser necessário realizar exames adicionais (por exemplo, ecocardiograma), se existirem dúvidas no exame clínico ou alterações no eletrocardiograma ou prova de esforço, por exemplo.

“O exame médico-desportivo é importante porque vai ajudar a detetar doenças ou outras situações clínicas que podem ser agravadas pela prática desportiva e dar origem a lesões, a patologia ou, em última análise, a um evento cardiovascular. Ao fazermos uma avaliação médica, tentamos verificar a existência de contraindicações relativas e absolutas para a prática de atividade física e torná-la mais segura. Em Portugal, os atletas federados têm de fazer uma avaliação anual, que é também um contacto entre o atleta e o médico e pode ajudar, por exemplo, a tirar dúvidas relacionadas com a alimentação, suplementos, dopagem, etc”, explica.

 

Todos precisamos de uma consulta de Medicina Desportiva?

A resposta a esta questão é “não”. Segundo nos explica Rita Tomás, “nem todas as pessoas que querem ser mais fisicamente ativas necessitam de uma avaliação ou consulta médica. Se as pessoas desejarem iniciar atividade de intensidade ligeira a moderada e não tiverem sinais e sintomas de qualquer tipo de doença cardíaca, renal ou metabólica, como diabetes, podem iniciar atividade física sem uma avaliação médica”. Por outro lado, “quem deseja iniciar uma atividade física mais vigorosa e é sedentário beneficia com uma avaliação médica. Se a pessoa tiver, por exemplo, patologia articular, como osteoartrose ou osteoporose, ou outras queixas musculoesqueléticas e das articulações, pode beneficiar com um aconselhamento mais personalizado do seu médico”, salienta. Pessoas com diagnóstico ou sinais / sintomas de doença cardíaca, renal ou metabólica devem ser avaliadas em consulta antes de iniciarem exercício físico.

 

Tipos de exercício físico

O exercício físico pode-se dividir em três grandes grupos: exercício aeróbio; treino de força; e exercício de treino de flexibilidade e alongamentos. Cada um pode trazer benefícios para o coração, de forma mais ou menos direta.

“O treino aeróbio e o treino de força são aqueles que mais benefícios trazem à saúde cardíaca. O treino aeróbio permite o condicionamento do músculo cardíaco e outras adaptações favoráveis. O treino de força permite preservar a nossa massa muscular e reduzir a massa gorda, que não é tão interessante para a nossa saúde. Assim, mantemos uma composição corporal e um peso mais saudável. O treino de flexibilidade e de alongamentos não tem um efeito tão direto na saúde cardíaca, mas, ao ajudar a manter o atleta com menos lesões desportivas, vai potenciar a sua longevidade e uma prática mais regular e mantida”, explica Rita Tomás.

 

O exercício físico faz bem ao coração porque...

Não é novidade que o exercício físico é bom para a nossa saúde de uma forma transversal: beneficia os ossos e articulações, a mente, o controlo do peso, a saúde metabólica e, claro, o coração. Rita Tomás explica porquê: “O músculo do coração, o miocárdio, é como um músculo esquelético (embora com algumas características diferentes), quanto mais for exercitado, mais apto, mais treinado ele fica. Quando se faz exercício físico regular, este músculo funciona de uma forma mais eficaz e consegue bombear mais sangue para os tecidos, nomeadamente os músculos. Permite também melhorar a circulação coronária, que é a irrigação do músculo cardíaco”. A especialista enumera também alguns benefícios do exercício físico a longo prazo:

  • Reduz a pressão arterial de repouso
  • Reduz a frequência cardíaca de repouso
  • Ajuda a melhorar o perfil lipídico, isto é, a reduzir o colesterol mau e aumentar o colesterol bom
  • Ajuda a manter um peso mais saudável
  • Ajuda a manter a saúde metabólica, nomeadamente a glicemia, melhorando a resistência periférica à ação da insulina e reduzindo assim o risco de diabetes

 

Todos estes efeitos vão ajudar a reduzir os fatores de risco para a saúde cardiovascular, reduzindo o risco de doenças como “a hipertensão, a doença cardíaca isquémica, os acidentes vasculares cerebrais, ou claudicação intermitente”, enumera.

 

Sabia que...

“Quem é fisicamente ativo tem maior probabilidade de adotar outros comportamentos saudáveis, nomeadamente reduzir o comportamento sedentário, fazer melhores opções alimentares e, por exemplo, não fumar”, afirma Rita Tomás, especialista em Medicina Desportiva. É o chamado “cluster do estilo de vida saudável”, acrescenta.

 

“Tenho uma doença cardíaca. Posso treinar?”

“Pessoas com doença cardíaca podem e devem praticar exercício físico”, afirma Rita Tomás. Mas, é claro, a segurança é a prioridade e é importante que haja acompanhamento e aconselhamento médico, sobretudo em situações como, por exemplo, “doentes que acabaram de ter um síndrome coronário agudo ou enfarte agudo de miocárdio ou fizeram uma cirurgia de bypass cardíaco”, salienta. Nestes casos, a prática de exercício físico pode ser muitas vezes “monitorizada por eletrocardiograma contínuo e supervisionada, normalmente, em ambiente hospitalar. A este processo chama-se reabilitação cardíaca e é muito importante para promover boas adaptações do miocárdio e prevenir futuros eventos cardiovasculares”, afirma, salvaguardando que, com o evoluir da situação, “estes doentes podem progredir para ambientes menos controlados e fazer exercícios controlados, por exemplo, com cardiofrequencímetro através de um smartwatch ou usando escalas subjetivas de esforço de forma a estarem sempre nas intensidades consideradas seguras pelos seus médicos”. É também importante que evitem “exercitar-se em ambientes muito extremos com, por exemplo, muito calor, muito frio ou ambientes muito húmidos que podem criar um stress adicional ao seu sistema cardiovascular”, alerta.

 

O exercício físico na gestão da doença cardíaca

“A atividade física e o exercício físico em pessoas com patologia cardíaca pode ser bastante útil a controlar a sua própria doença”, explica a especialista em Medicina Desportiva, que justifica a sua afirmação referindo algumas vantagens do exercício físico continuado:

  • Aumenta a resistência ao esforço
  • Diminui a pressão arterial em repouso
  • Melhora o perfil lipídico (ou seja, reduz o colesterol mau e aumenta o colesterol bom)
  • Contribui para a perda de peso e/ou manutenção de um peso saudável

 

“Tudo isso pode ajudar a pessoa a monitorizar e a controlar melhor a sua doença, quer potenciando o efeito dos medicamentos que podem ter que tomar, quer reduzindo a sua dose. Portanto, tem aqui um efeito muito sinérgico com as outras abordagens, nomeadamente farmacológicas e outras do estilo de vida para o controlo da doença cardíaca”, esclarece.

 

Para evitar problemas cardíacos, comece devagar

Os problemas cardíacos podem ocorrer durante o exercício físico, sim, mas “são eventos muito raros”, começa por tranquilizar Rita Tomás, explicando que “normalmente estão associados a pessoas sedentárias que decidem praticar exercício físico muito vigoroso e de uma forma muito prolongada”. Por isso, a médica especialista em Medicina Desportiva recomenda que se evite “fazer um tipo de exercício físico de intensidade a que não estamos habituados. Além disso, quando iniciamos um exercício devemos fazê-lo de forma progressiva, com um período a que nós chamamos de aquecimento, em que vamos aumentando a intensidade e adaptando o nosso corpo à atividade física, seguido de um período de arrefecimento em que vamos diminuindo lentamente a intensidade”. Se a pessoa decidir fazer exercício físico vigoroso, deve haver aconselhamento médico, acrescenta.

Outras duas medidas a implementar referidas pela especialista em Medicina Desportiva consistem em “evitar fazer exercício físico em ambientes extremos (muito frio, muito calor ou muita humidade) e não se tornar naquilo a que se chama ‘guerreiros de fim de semana’, em que não se pratica exercício físico durante a semana e depois num curto espaço de tempo se faz muita atividade física”.

É muito importante que esteja atento a sinais de alarme que possam indicar um problema cardíaco durante a prática de exercício físico, como “uma dor no peito que irradia, por exemplo, para o braço esquerdo, para o pescoço ou para a mandíbula; sensação de falta de ar; tonturas; fadiga extrema; e sensação de pulso arrítmico. Todos estes sinais devem fazer-nos parar e procurar ajuda”, alerta Rita Tomás.

 

Se está doente, não pratique exercício físico

Quando nos sentimos doentes ou temos alguma infeção, como, por exemplo, uma virose, temos febre e/ou estamos profundamente prostrados, não devemos fazer atividade física. Porquê? “Porque alguns vírus têm a tendência para se alojar no coração, no miocárdio, e podem, por exemplo, causar uma inflamação (uma miocardite) que predispõe a eventos arrítmicos e outros eventos negativos, como uma paragem cardiorrespiratória", alerta.

Publicado a 09/03/2023