Doenças endócrinas na gravidez
Dada a complexidade das doenças endócrinas presentes na mulher grávida, recomenda-se vigilância multidisciplinar, diminuindo as complicações maternas e fetais
Estão envolvidas no diagnóstico e tratamento destas doenças, assim como o acompanhamento da mulher grávida e do seu filho durante toda a gravidez, a Endocrinologia, a Obstetrícia, a Nutrição, entre outras.
É de destacar algumas das doenças do foro endócrino mais frequentes e que estão presentes em muitas mulheres grávidas.
Diabetes Gestacional e Diabetes mellitus
Diabetes Gestacional (DG) define-se como uma intolerância aos hidratos de carbono diagnosticada pela primeira vez no decurso da gravidez. A DG pode ser diagnosticada na 1ª consulta de obstetrícia quando a glicemia de jejum é ≥ 92 mg/dL e se for inferior a 92 mg/dL faz–se uma PTOG (prova de tolerância oral à glicose) entre as 24 e 28 semanas de gestação. Se 1 ou mais valores forem superiores a 92 mg/dL, 180 mg/dL e/ou 153 mg/dL (respetivamente em jejum, 1h e 2h depois da ingestão de glicose), estaremos perante o diagnóstico de DG.
A DG e a Diabetes mellitus (DM) já diagnosticada previamente à gravidez levam a complicações quer maternas quer neo-natais e do futuro filho, pelo que necessitam de vigilância multidisciplinar com endocrinologista / diabetologista, obstetra, nutricionista e outras especialidades quando necessário (oftalmologia, por exemplo). É necessário cumprir um plano alimentar adaptado e fazer a vigilância das glicemias capilares cujos valores são diferentes da mulher não grávida, pelo que a terapêutica terá de ser adaptada.
A mãe com DG ou DM pode ter como complicações:
- HTA (hipertensão arterial)
- pré-eclâmpsia
- parto por cesariana
- infeções urinárias
e no filho:
- macrossomia (bebés com mais de 4 kg ao nascer)
- icterícia e Síndrome de dificuldade respiratória
- traumatismo do parto com lesões nos membros do bebé
- malformações congénitas (só na Diabetes mellitus prévia à gravidez)
- morte fetal
No futuro os filhos de mães com DG e DM têm maior incidência de obesidade, diabetes mellitus e doença cardiovascular.
Tiroide e gravidez
A gravidez altera profundamente a glândula tiroide e a sua função. Numa gravidez normal a glândula tiróide aumenta de tamanho, produz 50% mais T3 e T4 (hormonas da tiroide) e tem maior necessidade de Iodo (aumento em 50 %). Deste modo, a gravidez poderá ser considerada uma fase de stress fisiológico para a tiroide.
As alterações na função tiroideia e a presença de anti-corpos anti-tiroideus relacionam-se com efeitos adversos na evolução da gravidez e no feto, por vezes levando a:
- abortos espontâneos
- hipertensão gestacional
- pré-eclâmpsia
- diabetes gestacional
- tiroidite pós-parto
Na fase de pré-conceção a dose de levotiroxina (hormona da tiroide em comprimido) deve ser ajustada o mais precocemente de forma a reduzir a probabilidade de hipotiroidismo no início da gravidez, pois tem consequências negativas para o embrião. A avaliação da TSH (hormona estimuladora da tiroide) deve ser repetida a cada quatro semanas até às 20 semanas de gestação e pelo menos uma vez próximo das 30 – 32 semanas.
Cerca de um terço das mulheres com tiroidite de Hashimoto (tiroidite auto-imune) com doseamentos das hormonas da tiroide normais e sem medicação durante a gravidez desenvolvem muitas vezes tiroidite pós-parto com o aparecimento de hipotiroidismo, daí a importância do seu acompanhamento neste período. Deve despistar-se esta entidade nas mulheres com depressão pós–parto.
O hipertiroidismo na gravidez (aumento dos níveis das hormonas da tiroide) tem consequências negativas para a mãe e para o filho.
Na mãe associa-se a:
- taquicardia
- emagrecimento
- nervosismo
- insónia
- hemorragias
- parto prematuro
No filho pode dar-se:
- taquicardia fetal
- restrição do crescimento intra-uterino
- prematuridade
O hipertiroidismo gestacional também está associado a hyperemesis gravidarum (vómitos abundantes) sendo muitas vezes necessário o internamento da mãe pois não consegue ingerir alimentos por via oral.
É muito importante o diagnóstico e o tratamento correto do hipertiroidismo na gravidez, pois alguns medicamentos usados são contraindicados em algumas fases da gravidez.
No que diz respeito aos nódulos da tiroide e cancro da tiroide, devem também ser vigiados na gravidez pois, tal como aumenta o volume da tiroide na gravidez, também os nódulos podem aumentar. Existem certas características nos nódulos detetados na gravidez que implicam fazer a punção ecoguiada durante a gravidez para a análise citológica que permite distinguir se são benignos ou malignos. Quando os nódulos encontrados no primeiro trimestre ou no início do segundo trimestre são malignos, a gravidez não deve ser interrompida, devendo a cirurgia ser adiada para o segundo trimestre ou mesmo para depois do parto, pois o crescimento em geral é muito lento e não altera o prognóstico destes nódulos malignos.
Nas mulheres com cancro da tiroide e tratadas com 131I (iodo radioativo) a gravidez deve ser adiada 6 meses, não só pela terapêutica radioativa, mas para que a terapêutica com levotiroxina esteja controlada e os níveis hormonais estejam nos valores corretos.
Em relação à ingestão de Iodo na gravidez, a recomendação é a de que ela deve ser aumentada para 250 μg/dia, assim como na fase de lactação. O iodo deve ser iniciado na fase de pré-conceção, podendo ser tomado isoladamente ou em polivitamínicos. No entanto, mulheres com patologia prévia da tiroide devem ser avaliadas por um endocrinologista pois pode estar contraindicado o uso de iodo em algumas situações patológicas da tiroide.
Hiperplasia da suprarrenal e gravidez
Hiperplasia congénita da supra renal (CAH) é uma doença autossómica recessiva em que são herdadas do pai e da mãe mutações num gene que codifica para uma enzima da suprarrenal e que leva a alterações na produção de hormonas na suparrenal do filho.
A forma virilizante é a mais grave em que o feto do sexo feminino apresenta características masculinas (ambiguidade sexual, como por exemplo hipertrofia do clitoris, fusão dos grandes lábios), podendo ser difícil atribuir um sexo ao recém–nascido, tendo que se recorrer à análise dos cromossomas.
Nos pais portadores destas alterações genéticas é possível fazer o estudo do embrião e prevenir com determinadas medicações o desenvolvimento de ambiguidade sexual.
Obesidade e gravidez
A Obesidade na gravidez contribui para um maior risco quer materno quer fetal.
Risco materno:
- Hipertensão arterial induzida pela gravidez
- pré-eclâmpsia
- diabetes gestacional
- fenómenos tromboembólicos (tromboses venosas, AVC)
- infeções
- parto traumático e demorado
Risco fetal:
- macrossomia (bebés com mais de 4 kg)
- malformações congénitas
- abortamento espontâneo
- morte peri e neonatal
A cirurgia bariátrica não contra-indica a gravidez, mas esta deve ser adiada 1 ano após a cirurgia, devendo ser repostos várias vitaminas e minerais, devido à sua menor absorção nesta condição, nomeadamente ácido fólico, zinco, ferro, vitamina D, vitamina A, entre outras. É muito importante o seguimento durante a gravidez, sendo necessário fazer doseamentos das vitaminas e minerais e repondo essas substâncias quando necessário, pois a sua carência tem repercussões no desenvolvimento fetal e futura criança.