A importância do apoio da Cardiologia na doença oncológica
O tratamento do cancro pode causar efeitos cardíacos adversos. O acompanhamento dos doentes em Cardiologia é essencial para prevenir doenças cardiovasculares.
O cancro e a doença cardiovascular partilham muitos fatores de risco e correspondem a cerca de 70% das causas de morte do mundo ocidental. Contudo, desde a década de 90, tem sido observado um declínio constante na mortalidade dos doentes com cancro devido aos avanços das terapêuticas oncológicas. Esses progressos melhoraram a sobrevida destes doentes, mas também conduziram a mais sequelas associadas ao seu envelhecimento e aos efeitos secundários das terapêuticas oncológicas, nomeadamente ao nível do sistema cardiovascular (coração e vasos). Por isso, torna-se essencial o acompanhamento em Cardiologia dos doentes oncológicos, que vão realizar, estão a realizar ou realizaram tratamentos farmacológicos ou de radioterapia, para prevenir o desenvolvimento de doenças cardiovasculares.
Cardiotoxicidade: o que é?
Os tratamentos utilizados no cancro, como a quimioterapia, radioterapia ou imunoterapia, podem causar efeitos adversos cardiovasculares - a cardiotoxicidade.
A cardiotoxicidade é uma das complicações mais significativas e tem origem num:
- Efeito adverso direto nas células cardíacas, como por exemplo no músculo cardíaco ou no sistema elétrico do coração
- Desenvolvimento acelerado de doença cardiovascular (como o crescimento de placas ateroscleróticas nas artérias, a conhecida aterosclerose), especialmente na presença de fatores de risco cardiovasculares comuns, como a hipertensão arterial, diabetes mellitus, dislipidemia, obesidade e o tabagismo
Assim, existem vários tipos de cardiotoxicidade, dependentes do tipo de fármaco / radioterapia utilizada no tratamento do cancro. As mais frequentes são a disfunção do músculo cardíaco (insuficiência cardíaca), as arritmias e a doença coronária.
A consulta de Cardio-Oncologia
Nos últimos anos ocorreu uma expansão do papel do Cardiologista na gestão dos doentes oncológicos. Por um lado, para garantir a otimização da terapêutica destes doentes e, por outro, para prevenir o desenvolvimento da doença cardiovascular aguda e crónica.
Assim, as Sociedades Internacionais de Oncologia e de Cardiologia recomendam a realização da Consulta de Cardio-Oncologia, onde existe uma abordagem multidisciplinar e centrada no doente.
Em que momento do tratamento oncológico deve fazer uma consulta de Cardio-Oncologia?
A avaliação do doente em Cardio-Oncologia é realizada em três momentos:
- Antes do início do tratamento - Cardioproteção: para identificação e controlo de fatores de risco cardiovasculares, mas igualmente para despiste e tratamento de eventual doença cardíaca já existente
- Durante o tratamento - Cardiovigilância: nas terapêuticas com elevado potencial cardiotóxico, existe necessidade de seguimento ativo com exames complementares de diagnóstico periódicos (como o eletrocardiograma, ecocardiograma transtorácico e análises sanguíneas) para identificação e tratamento precoce de cardiotoxicidade
- Após tratamento oncológico - Cardiovigilância alargada: para otimização de estratégias preventivas e diagnóstico de cardiotoxicidade tardia, que se pode manifestar vários anos após terminarem os tratamentos
Quem deve ser referenciado a uma consulta de Cardio-Oncologia?
Todos os doentes, antes de iniciarem os tratamentos, devem fazer uma avaliação do seu risco cardiovascular e do risco de cardiotoxicidade das terapias oncológicas propostas.
Os doentes com risco moderado, alto ou muito alto deverão ser avaliados em consulta de Cardio-Oncologia antes do início do tratamento.
Durante o tratamento, os doentes devem ser referenciados se desenvolverem:
- Sintomas ou sinais cardíacos (como dor no peito, falta de ar, pernas inchadas, desmaios)
- Hipertensão arterial não controlada
- Arritmias
- Alteração dos exames cardíacos
Após os tratamentos, poderão ser encaminhados para a consulta os doentes com risco moderado, alto ou muito alto, como por exemplo os que foram submetidos a quimioterapia com antraciclinas ou radioterapia torácica.
A Cardio-Oncologia assume um papel na redução da interrupção dos tratamentos oncológicos com impacto na vida do doente, podendo contribuir para a melhoria do seu prognóstico. A Consulta de Cardio-Oncologia é o local indicado para garantir um tratamento oncológico otimizado, minimizando potenciais efeitos adversos cardíacos.