Os joelhos do confinamento
O confinamento e as mudanças na prática desportiva tiveram consequências. Nuno Oliveira e Pedro Pessoa, Ortopedistas CUF, partilham as queixas mais comuns.
Março de 2020 marca o início de enormes transformações na vida dos portugueses, decorrentes da declaração do primeiro Estado de Emergência, com o objetivo de travar a pandemia por COVID-19. Decorrido pouco mais dum ano deste "novo normal", são visíveis os efeitos dos sucessivos confinamentos e do encerramento dos equipamentos desportivos a que estávamos habituados. Muitos (re)descobriram algumas atividades ao ar livre - tais como a caminhada e a corrida - como forma de escape, muitas vezes utilizadas para minorar os efeitos dos excessos gastronómicos. Outros apostaram nas mais variadas formas de atividade indoor (dentro de casa), guiados por treinadores mais ou menos personalizados, à distância dum clique no computador.
Nos últimos meses temos assistido na consulta dedicada à patologia do joelho a algumas consequências da pandemia por COVID-19:
Lesões de sobrecarga ("overuse")
Com o encerramento dos ginásios, muitas pessoas socorreram-se da corrida como forma de manter uma atividade física aeróbia regular. Os benefícios do ponto de vista cardiovascular (controle da pressão arterial, melhoria do perfil lipídico, controlo do peso), associados à sensação de bem-estar que pode provocar, são sobejamente conhecidos. Se conjugarmos estes fatores com uma população enclausurada em casa, sujeita ao stress do teletrabalho e às exigências dos filhos em escola virtual, é facilmente compreensível o porquê de vermos todos os dias várias pessoas a correr ao ar livre.
Alguns destes atletas fazem incrementos de carga absolutamente extraordinários em muito pouco tempo, passando a correr 40, 50 ou 60 km por semana. O resultado é o desenvolvimento de quadros dolorosos nos joelhos, de padrão inflamatório, sendo que os mais comuns são:
- Síndrome da Banda Iliotibial (SBIT)
- Sobrecarga do aparelho extensor
Sintomas da SBIT
A Síndrome da Banda Iliotibial caracteriza-se por dor na face lateral do joelho, de início progressivo (inicialmente apenas nos últimos quilómetros de corrida). É um quadro de agravamento progressivo e que se pode tornar incapacitante se as suas causas não forem corrigidas.
Tratamento da SBIT
O tratamento envolve habitualmente a paragem transitória da atividade que desencadeia a dor, tratamentos de fisioterapia e um programa de fortalecimento muscular, a par da melhoria da técnica de corrida.
Sintomas da sobrecarga do aparelho extensor
Ao nível do aparelho extensor assistimos ao desenvolvimento de tendinopatias ("tendinites") quer do tendão quadricipital, quer do tendão rotuliano. A inflamação destes tendões resulta do aumento súbito do tempo e da velocidade de corrida, não sendo acompanhado de um programa de fortalecimento muscular adequado a este incremento de esforço. A dor segue o mesmo padrão atrás descrito, desta vez na face anterior do joelho, podendo nos casos mais graves tornar-se incapacitante para atividades do dia a dia, como por exemplo subir ou descer escadas.
Tratamento da sobrecarga do aparelho extensor
O tratamento de primeira linha é, em geral, conservador. Deve incluir a paragem da atividade que desencadeia a dor e um programa de fortalecimento muscular do aparelho extensor e o equilíbrio muscular da coxa e região glútea, sob a supervisão da Medicina Física e Reabilitação.
Lesões degenerativas agudizadas
Outro fenómeno a que assistimos no decorrer da pandemia foi a aposta em programas de treino / fortalecimento muscular disponíveis na internet. Muitos são de alta intensidade (HIT - High Intensity Training), com recurso a exercícios de pliometria complexos (saltos, agachamentos, ...). Em alguns lares tornou-se uma prática familiar, em que todos tentavam seguir o mesmo programa. Daqui resultam dois problemas:
- o exercício físico para o pai de 50 anos e para a filha de 20 não pode ser o mesmo
- determinados exercícios sem vigilância e incorretamente executados colocam as articulações em risco
A título de exemplo, pessoas com algum excesso de peso, muitas vezes já com patologia degenerativa do menisco ou da cartilagem, não devem realizar agachamentos abaixo dos 90º de flexão, muitas vezes seguidos de salto.
São estes "atletas do domicílio" que recorrem à consulta por dor, referida a um dos compartimentos do joelho, sendo mais comum no compartimento interno.
Diagnóstico das lesões degenerativas
Na avaliação destes doentes destaca-se a presença de derrame articular em pequena quantidade, dor articular e testes de provocação meniscal positivos. O estudo imagiológico com radiografia em carga pode mostrar uma diminuição da altura da interlinha articular (corresponde a uma diminuição da espessura da cartilagem). Deve ser realizado estudo complementar com Ressonância Magnética (RM) nos casos em que se suspeite de lesão meniscal instável ou em que a radiografia simples, em carga, não mostre sinais de artrose. Tipicamente a Ressonância Magnética mostra um padrão de lesão degenerativo (rutura horizontal), que pode ter envolvimento do folheto tibial. A presença de quistos "parameniscais" é mais um sinal de sobrecarga.
Tratamento das lesões degenerativas
A terapêutica de primeira linha nestes doentes é, na grande maioria dos casos, conservadora. Deve-se incentivar a perda de peso e o fortalecimento muscular com exercícios sem impacto. O fortalecimento muscular guiado por um técnico especializado e balizado dentro de limites precisos é benéfico. O tratamento cirúrgico justifica-se em casos de falência de tratamento conservador, em joelhos com poucos sinais de artrose e com queixas mecânicas.
Promover a saúde dos joelhos
A pandemia por COVID-19, o confinamento e as mudanças que ocorreram ao nível da prática desportiva também tiveram consequências a nível articular.
Nem todo o exercício físico é promotor de saúde. É fundamental uma avaliação criteriosa de cada situação para promover hábitos saudáveis, de forma segura, evitando o agravar de patologia preexistente na articulação do joelho.