5 perguntas sobre síndrome de Tourette
A Síndrome de Tourette é uma doença neurológica que se manifesta principalmente por tiques. João Massano, neurologista CUF, esclarece o essencial sobre o tema.
A síndrome de Tourette - uma perturbação neurológica crónica que, estima-se, afeta cerca de 1% da população - consiste numa combinação de vários tiques motores e vocais que persistem além de um ano. "Há pessoas que podem ter tiques motores ou vocais, sobretudo do tipo motor, mas que desaparecem antes de um ano e aí não consideramos que a pessoa tem síndrome de Tourette", explica João Massano, neurologista CUF.
Neste vídeo, o especialista esclarece várias questões, entre as quais, os tipos de tiques que podem ocorrer, em que consiste o diagnóstico, tratamentos disponíveis e o impacto da síndrome de Tourette na qualidade de vida.
Em que idade costuma surgir e quem é mais afetado
“Os tiques e, portanto, a síndrome de Tourette aparecem muito frequentemente entre os 4 e os 8 anos. Sendo que os rapazes são três a quatro vezes mais afetados que as raparigas. No entanto, os tiques podem surgir até aos 18 anos. Depois disso, já não consideramos que são tiques de síndrome de Gilles de la Tourette. Aí teremos de procurar outras causas para a situação”, esclarece João Massano.
Sabia que...
Na síndrome de Tourette, é muito frequente as pessoas terem também perturbação de hiperatividade com défice de atenção e também pensamentos obsessivos e compulsões, explica o neurologista, acrescentando que “tudo isto, em conjunto, pode interferir muito na vida da pessoa afetada”.
Tipos de tiques que podem ocorrer
De acordo com as explicações do neurologista CUF, há sobretudo dois grandes tipos de tiques:
- Tiques motores: São os tiques que costumam aparecer em primeiro lugar e em que há produção de um movimento anormal. Sobretudo na infância, aparecem primeiro os tiques dos olhos (o piscar) ou mexer a cara, depois o pescoço e o ombro. Mais tarde, pode haver tiques que envolvem os membros e o tronco. Os tiques podem ser simples ou complexos, ou seja, pode haver um único tique ou uma série de tiques diferentes (tique complexo).
- Tiques vocais: A pessoa produz um som, que pode consistir em coisas tão simples como um estalido, tossicar, imitar o que os outros dizem (um fenómeno denominado ecolalia) e também uns tiques que são muito mediatizados, mas que na realidade são muito pouco frequentes - afetam apenas 10% das pessoas com síndrome de Tourette - que é a coprolalia, em que diz palavrões. A pessoa não consegue reprimir a emissão daquele som, que é um palavrão. Isso dá-lhe bastante vergonha social ao contrário do que acontece nas pessoas que dizem palavrões no seu discurso normal.
O doente consegue controlar os seus tiques?
A resposta é “sim”, mas depende de cada caso, pois há pessoas que têm mais facilidade em fazê-lo do que outras. De acordo com João Massano, neurologista CUF, “isto varia muito de pessoa para pessoa. De facto, existe na maioria das situações uma capacidade de controlar os tiques, sobretudo a partir da adolescência, porque até aí as crianças têm menos capacidade de fazê-lo do que os adolescentes e os adultos. Na verdade, a própria doença tende a melhorar. A quantidade e a gravidade dos tiques costuma piorar entre os 10-12 anos, 12-14 anos, mas depois em muitos casos tende a melhorar também porque a pessoa tende a conseguir controlar os tiques”.
O diagnóstico da síndrome de Tourette
“O diagnóstico da síndrome de Tourette é sobretudo clínico” e não existe nenhum teste que permita diagnosticá-la, explica o neurologista CUF, o que significa que é feito principalmente com base nos sinais e sintomas que são observados pelo médico assistente. Por exemplo, pode chegar-se à conclusão de que a pessoa tem síndrome de Tourette quando é uma criança ou adolescente com a idade certa, que faz os movimentos / sons associados a esta doença e, sobretudo, se conseguir explicar ao médico que os faz porque sente uma vontade irresistível de fazê-los. Isto é, esses movimentos são voluntários, “mas produzidos em resposta a uma vontade irresistível de fazer os tiques. É um bocadinho como quando temos uma comichão e temos uma vontade irresistível de coçar. O ato de coçar é voluntário, mas a vontade, a comichão é que não é voluntária”.
Quando existem características que não são tão típicas da síndrome de Tourette - por exemplo, quando os tiques surgem numa idade mais avançada -, aí sim poderão ser necessários outros testes, como análises ao sangue ou eventualmente uma ressonância magnética, esclarece João Massano.
Quais são as causas da síndrome de Tourette?
“Ainda não conhecemos as causas da síndrome de Gilles de la Tourette”, afirma o neurologista CUF, continuando: “É provável que exista uma combinação de causas intrínsecas, portanto, genéticas, que nós ainda não identificámos, e também eventualmente poderá existir alguma influência do meio ambiente, que também ainda não está identificada”.
Ainda sobre a possível vertente genética da doença, João Massano explica que “a verdade é que tendemos a ver tiques - quer sejam tiques isolados / simples ou até síndrome de Gilles de la Tourette - por vezes, em vários membros da família. O que significa que deve haver uma base genética para esta doença”, mas que ainda não foi observada. “Uma pessoa que tem síndrome de Gilles de la Tourette tem maior risco de ter filhos com tiques ou com a doença, mas não conseguimos estimar esse risco e não deve ser um motivo especial de preocupação, em termos até de planeamento familiar”.
O impacto da síndrome de Tourette na vida do doente
“O impacto é enorme”, afirma o especialista em Neurologia. Sobretudo porque a maioria das situações de doença são crianças e adolescentes. Também há casos em que diagnosticamos a doença muito mais tarde já na vida adulta, às vezes, até aos 50 ou 60 anos. Acontece, mas é raro. Nas crianças, “os tiques só por si - e muitas vezes se houver também o défice de atenção - fazem com que a criança fique completamente desconcentrada nas aulas. Pode perturbar os outros colegas e o trabalho do professor e, portanto, toda esta dinâmica do ponto de vista escolar fica perturbada”, afirma. O especialista refere ainda que a discriminação é outro problema que o doente pode enfrentar: “Há muitos professores, muitas escolas que não compreendem estas situações. Quando veem um miúdo a rebolar os olhos acham que é um desrespeito”.
Do ponto de vista familiar, a síndrome de Tourette também pode ser muito angustiante. Isto porque “muitas vezes as pessoas não conhecem esta doença, não sabem quais são as implicações, acham que é uma doença grave, uma doença degenerativa ou que pode causar outra doença mais grave, o que não é verdade”, tranquiliza.
Estratégias de tratamento
“Há várias formas de tratar a síndrome de Gilles de la Tourette. Em primeiro lugar, temos de avaliar muito bem a situação e perceber quais são os problemas”, afirma. Enquanto em algumas pessoas são os tiques, noutras pode ser a ansiedade, depressão, défice de atenção ou até a perturbação obsessivo-compulsiva, segundo explica o especialista. Depois de perceber o que é mais problemático, é importante priorizar o tratamento e “explicar muito bem às pessoas o que está a acontecer”, tranquilizando quanto à “relativa benignidade na maioria das situações desta doença”, esclarece.
Na síndrome de Tourette, pode-se recorrer a medicação e/ou a psicoterapia para melhorar os tiques e tratar a ansiedade, depressão, perturbação obsessivo-compulsiva e défice de atenção, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida.
Sabia que...
As associações de doentes, como a Associação Portuguesa de Síndrome de Tourette, são muito importantes para esclarecimento de dúvidas, desenvolvimento de atividades e criação de comunidade de partilha, afirma João Massano.
Tratamento e controlo da doença: que avanços têm sido feitos?
“Nos últimos anos, têm aparecido alguns novos fármacos que nos permitem controlar melhor os tiques e também a ansiedade e a depressão e até o défice de atenção”, refere o neurologista CUF. Além disso, o avanço mais recente é talvez o uso de cirurgia cerebral, nomeadamente da estimulação cerebral profunda. Contudo, segundo explica o especialista, “esta cirurgia está reservada a casos excecionais, muitíssimo graves e que não respondem às medicações nem às intervenções psicoterapêuticas de que dispomos”. “É uma cirurgia que tem um risco relativamente baixo, mas que existe”, acrescenta.
Em que casos pedir ajuda médica
“A pessoa com tiques deve procurar ajuda sempre que estes incomodem e interfiram na sua qualidade de vida”, seja do ponto de vista laboral, social, conjugal ou outros, recomenda João Massano, acrescentando que, por outro lado, “há pessoas que vivem a vida toda com tiques e não precisam de procurar ajuda, não sentem essa necessidade”.
Depois de identificada a doença, faz também sentido “manter um acompanhamento clínico”, sublinha. Por exemplo, há pessoas que iniciam uma medicação para o tratamento da síndrome, mas que não é necessário manter durante toda a vida. “A certa altura pode ser preciso ou ser possível mudar a medicação ou até interromper completamente, daí também a importância do acompanhamento clínico a longo prazo”, explica.