O que devemos comer antes e depois do treino?
A nutrição influencia o nosso desempenho (e não só) quando praticamos desporto. Rodrigo Abreu, nutricionista, explica o que ter em atenção.
Aquilo que comemos tem mesmo um papel importante no nosso desempenho desportivo, algo que já está consolidado na comunidade médica e científica e também entre os praticantes de desporto. Segundo Rodrigo Abreu, nutricionista CUF, que acompanha os atletas da Federação Portuguesa de Futebol, “a alimentação tem um papel importante na prática desportiva porque, em primeiro lugar, vai fornecer os nutrientes e a energia necessários para realizarmos o esforço, mas também porque nos vai ajudar a recuperar corretamente desse esforço. Por outro lado, entre esforços, entre cada treino, entre cada jogo, entre cada competição, os cuidados alimentares vão garantir que conseguimos receber todos os nutrientes para nos mantermos saudáveis, que é uma condição base para podermos fazer desporto”.
Acompanhamento personalizado, melhores resultados
Somos todos diferentes, com características distintas e até objetivos muito próprios no que toca à prática desportiva. É por isso que é tão importante ter um acompanhamento à nossa medida. Segundo Rodrigo Abreu, “o acompanhamento nutricional do atleta, seja ele amador ou de alto rendimento, deve ser sempre personalizado por várias razões. Primeiro, porque cada pessoa é um caso. Cada atleta, dependendo da idade, do género, do tipo de constituição física, dos objetivos de performance, vai ter necessidades diferentes. Por outro lado, o esforço também varia. Uma pessoa que faz desporto recreativo uma vez por semana naturalmente tem necessidades diferentes das de um atleta que treina todos os dias e compete semanalmente. Portanto, o papel da nutrição é garantir que cada atleta em função das suas necessidades específicas, em função dos seus objetivos específicos, está a alimentar-se de forma adequada”.
A alimentação influencia o desempenho desportivo?
Quanto a esta questão, a resposta do nutricionista é perentória: “Sem dúvida. A alimentação tem um papel importante porque serve de combustível para o exercício físico, mas também para ‘afinar’ alguns pequenos pormenores do rendimento desportivo. Ninguém vai ser o melhor desportista por comer o alimento A ou B, mas se tiver uma boa alimentação de base, se sobre esses cuidados alimentares de base, que são mais ou menos universais e que quase todos nós conhecemos e que estão presentes, por exemplo, na Roda dos Alimentos, aplicarmos estratégias específicas para antes, durante e após o esforço, então, conseguimos tirar todo o partido do treino que estamos a fazer e com isso ir melhorando também a nossa condição, portanto, ir criando as adaptações necessárias à evolução do rendimento desportivo”.
O que comer antes de um treino
O objetivo da alimentação pré-treino é dar-nos energia para o esforço que vamos realizar e que pode vir de fontes alimentares como:
- Hidratos de carbono simples, por exemplo, os açúcares da fruta.
- Hidratos de carbono complexos - que podem ser cereais, como a aveia, e frutos secos -, que têm uma absorção mais lenta.
“É precisamente através da combinação desses alimentos que libertam energia mais rapidamente e mais lentamente que conseguimos ter energia suficiente para o esforço que vamos fazer”, afirma Rodrigo Abreu.
A hidratação é outro aspeto que não deve ser descurado antes de começar o treino. “Um bom estado de hidratação ajuda o corpo a funcionar normalmente durante o esforço, a evitar a quebra de rendimento que pode acontecer por desidratação e tem também um efeito protetor a nível da nossa saúde, nomeadamente dos tecidos”, explica o nutricionista, acrescentando que “basta pensar que 60 % do peso dos nossos músculos é água e que também as articulações são constituídas por uma grande quantidade de água. Portanto, a alimentação, os cuidados nutricionais antes do esforço, vão no fundo preparar o nosso corpo para as solicitações que vamos sofrer durante o exercício físico”.
Agora que já sabemos os alimentos a incluir numa refeição pré-treino, resta saber quanto tempo antes da prática de exercício físico devemos comer. “A ingestão de alimentos antes de um esforço depende das características do próprio esforço e da tolerância individual do atleta. Há atletas que conseguem comer 30 minutos antes porque, por exemplo, vão estar em cima de uma bicicleta e não terão grandes solavancos. Outros atletas que estão a correr ou a nadar preferem dar intervalos maiores de uma a três horas”, esclarece.
E durante o treino, é preciso comer?
Nem sempre. Segundo explica o nutricionista, “vai depender muito da duração do esforço e da intensidade em que é realizado. De um modo geral, para esforços superiores a uma hora convém planear algum tipo de reabastecimento. Tipicamente, será reidratar, pois é o parâmetro que mais rapidamente se altera. Durante o exercício físico, temos perdas por transpiração e, portanto, é necessário repor água e também eletrólitos. Se houver uma solicitação muito grande de energia pode também ser necessário reabastecê-la. É aí que entram alimentos como, por exemplo, fruta, géis de fruta e outras soluções de hidratos de carbono”.
Alimentação do atleta: pós-treino
Após um esforço, sobretudo se for mais intenso, existe aquilo que chamamos os três Rs da recuperação, que são reidratar, reabastecer e reparar. Rodrigo Abreu explica em que consistem:
- Reidratar: repor os líquidos que perdemos por transpiração, não só a água, mas também os sais minerais (eletrólitos). Essa reposição pode ser feita através de bebidas, por exemplo, isotónicas ou de alimentos que contenham algum sal ou outros sais minerais.
- Reabastecer as reservas do músculo. Sobretudo em esforços mais intensos - como acontece, por exemplo, num jogo de futebol -, em que se utilizam as reservas do glicogénio muscular, é importante ingerir hidratos de carbono de absorção mais rápida, como fruta ou arroz branco, para que haja reposição dessas fontes de energia.
- Reparar: é feita através da ingestão de proteína e de alguns aminoácidos que contribuem para a reparação do tecido muscular após os esforços mais intensos e que ajudam também a diminuir a sensação de fadiga muscular. Bons exemplos de fontes proteicas após um esforço mais exigente do ponto de vista muscular são peito de frango ou de peru, carnes magras, clara de ovo ou alguns lácteos, como iogurte ou leite.
E quanto tempo depois do treino devemos comer?
Fala-se muito de que devemos comer até determinado tempo após o treino. Mas será mesmo verdade? Rodrigo Abreu esclarece esta questão referindo que “existe ainda entre alguns atletas a ideia de que há uma janela de oportunidade para se comer após um esforço. Essa janela de facto existe para alguns nutrientes, nomeadamente a ingestão de hidratos de carbono, preferencialmente de absorção mais rápida, nas primeiras uma a duas horas após um esforço muscular intenso, com o objetivo de repor o glicogénio muscular”. Por outro lado, a mesma regra não se aplica à proteína. “Anteriormente, havia essa ideia da janela anabólica, sobre a importância de se ingerir proteína imediatamente após um esforço muscular intenso. Hoje, sabemos que não é tão válido. O processo de reparação muscular, essa síntese de proteína no músculo, fica aumentada, é estimulada pelo exercício físico durante várias horas após o esforço. Assim, reidratar, reabastecer o glicogénio muscular e reparar com alguma proteína nesta sequência e de forma faseada nas primeiras duas a quatro horas é perfeitamente suficiente e está dentro da tal janela de oportunidade mais alargada que nós podemos considerar”, explica.
A importância da hidratação
“A monitorização do estado de hidratação é um aspeto muito importante para qualquer atleta, seja amador ou profissional”, sublinha Rodrigo Abreu. Sabia que uma perda de água na ordem dos 2 % do peso corporal já começa a ter impacto no nosso rendimento físico e cognitivo? Segundo explica o nutricionista, “não é só uma questão de velocidade ou de distância percorrida; influencia também o processo de tomada de decisão, que é muito importante, por exemplo, em desportos de equipa ou desportos com bola”.
A taxa de sudação - isto é, o quanto transpiramos - pode variar consoante vários fatores, como:
- Temperatura do ambiente
- Vestuário
- Características do indivíduo
Como tal, “é importante que cada um de nós aprenda a monitorizar o seu estado de hidratação e há alguns indicadores simples que podemos utilizar para isso, nomeadamente, a cor da urina: esta deve ser de uma cor amarela clara, uma cor de palha amarelo clarinho, pois indica que estamos devidamente hidratados; sempre que a urina fica mais escura, naqueles tons mais para o alaranjado ou até mesmo acastanhado, é sinal de desidratação”, explica Rodrigo Abreu.
É importante “desenvolver uma estratégia para ir bebendo água de forma gradual, ao longo do esforço, não ingerir grandes quantidades ou só quando já se está com muita sede, mas sim planear a ingestão de água ao ritmo mais confortável para cada um”, afirma Rodrigo Abreu, sugerindo: “Ter uma pequena garrafa e ir bebericando pequenas quantidades pode ser uma boa estratégia. Se o esforço for mais prolongado ou se se realizar em condições de temperaturas muito altas ou de muita humidade pode ser necessário recorrer a uma bebida que também tenha eletrólitos, as bebidas isotónicas, para repor os que são perdidos na transpiração”.
Principais erros alimentares cometidos pelos desportistas
A natureza dos erros cometidos pelos praticantes de desporto depende de fatores como o tipo de atleta que se é e o nível de atividade. Segundo o nutricionista, há dois grandes erros cometidos pelos atletas amadores:
- Não comer o suficiente para as necessidades a que se está sujeito. Muitas pessoas motivadas, por exemplo, para a perda de peso ou para atingir rapidamente objetivos de rendimento acabam por não adaptar corretamente a ingestão calórica e de nutrientes de que necessitam. Portanto, estão a comer menos do que aquilo que estão a exigir ao seu corpo, o que pode traduzir-se em sub-rendimento ou risco aumentado de lesão.
- No extremo oposto, estão as pessoas que, iniciando a prática de atividade física, subestimam as suas necessidades e começam, por exemplo, a fazer batidos de proteína, a tomar géis, barras, uma série de produtos de nutrição desportiva que não estão adequados ao desporto que efetivamente fazem e, portanto, não estão a tirar partido dessas soluções.
Treinar em jejum: sim ou não?
“Assistimos hoje a uma certa moda de treinar em jejum”, começa por dizer Rodrigo Abreu, referindo que “as pessoas procuram alguns benefícios com o treino sem ter comido nada, mas é necessário alertar que apesar de poder ter algumas vantagens, também apresenta alguns riscos. Começando pelas vantagens, se o objetivo é maximizar a utilização de gordura e se o treino não for muito intenso nem muito prolongado - ou seja, se não durar mais de uma hora e se for um treino de intensidade aeróbia - é possível, se a pessoa assim o tolerar, treinar em jejum. Pelo contrário, se estivermos a falar de esforços muito intensos ou muito prolongados, não é aconselhável treinar em jejum porque vai causar maior dano muscular e poderemos ter menos benefício que o expectável”.