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Cancro do pulmão: os avanços no tratamento personalizado

A disponibilidade crescente de tratamentos individualizados tem vindo a aumentar as taxas de sucesso. Dois especialistas CUF explicam os avanços neste sentido.

Com sintomas que podem facilmente passar despercebidos, o cancro do pulmão é o que tem maior taxa de mortalidade a nível nacional e mundial. Em Portugal, a sua incidência é inferior à da Europa, mas os números não deixam de ser significativos: em ambos os sexos, são diagnosticados 6200 novos casos por ano. O cancro do pulmão é, assim, o segundo cancro mais comum no homem - logo depois do da próstata - e o quarto nas mulheres. Fernando Barata e Venceslau Hespanhol, pneumologistas CUF, explicam como tratamentos cada vez mais personalizados podem permitir uma maior taxa de sobrevivência e até de cura.



O que pode explicar a elevada taxa de mortalidade?

Embora nos últimos anos tenha ocorrido uma melhoria significativa na sobrevivência dos doentes com cancro do pulmão, esta continua a ser a doença oncológica com uma das maiores taxas de mortalidade. “É um tumor em que, dizem-nos os números, há uma grande percentagem de doentes que são diagnosticados tardiamente para os quais, infelizmente, não conseguimos ter êxito no tratamento. A esmagadora maioria das vezes porque chegam em situações de doença muito avançada. É esse um dos grandes problemas, porque os sintomas de cancro do pulmão surgem muito tardiamente” e numa fase em que além de atingir os pulmões já se estendeu a outros órgãos, uma característica comum a este cancro, explica o pneumologista Venceslau Hespanhol, situação que vai “associar-se a uma mortalidade elevada”.

 

Sintomas que passam despercebidos

A deteção precoce é, de forma transversal a todos os cancros, uma medida importante no aumento do sucesso dos tratamentos. Contudo, no cancro do pulmão a sintomatologia pode ser facilmente desvalorizada, salvo algumas exceções, pois são sintomas que todos podemos sentir em algum momento da nossa vida. Exemplo disso é a tosse, aponta Venceslau Hespanhol, explicando como podemos fazer a distinção: no caso do cancro do pulmão, “é uma tosse persistente que não passa, que não está associada a nenhuma infeção ou problema. A esmagadora maioria das vezes não é tumor de pulmão, mas às vezes é. Portanto, qualquer sintoma respiratório persistente é para investigar. Seja tosse, expetoração, uma dificuldade a respirar, cansaço persistente”, mais ou menos associados a falta de ar. Contudo, alerta o pneumologista, “quando é tumor de pulmão e apresenta estes sintomas, ainda que possa não estar disseminado pelo corpo, normalmente, já tem uma dimensão considerável. A maioria dos tumores do pulmão que têm elevada expectativa de cura são tumores pequenos, que aparecem em imagens, como TACs, realizadas muitas vezes por outros motivos, e em que se deteta um nódulo”.

Acima de tudo, conhecer o risco individual é fundamental para uma deteção precoce deste cancro. O pneumologista explica que, “hoje em dia, as pessoas estão cada vez mais alerta e, se têm riscos significativos, acabam por consultar o médico, ter uma posição mais interventiva e fazem determinados exames que, muitas vezes, conseguem identificar estas lesões que poderão ser cancro mais precocemente. Contudo, atualmente ainda acontece mais de 50 % das pessoas em todo o mundo procurarem aconselhamento médico em situações avançadas, exatamente pelo facto dos sintomas não serem sinais precoces da doença”.

 

O tabagismo é o principal fator de risco para cancro do pulmão

“Todas as pessoas têm risco de ter todos os tipos de tumores”, começa por referir Venceslau Hespanhol. Contudo, há fatores que podem aumentar o risco de vir a desenvolver cancro do pulmão. Um deles - e o mais relevante - é o tabagismo, nas suas variadas formas. “Ao contrário de muitos outros tumores, em que não existe uma associação entre uma exposição e a doença, no caso do cancro do pulmão nós sabemos que a exposição ao fumo do tabaco é determinante para aumentar o risco desta doença, pelo que deixar de fumar tem um impacto relevante”. E o tabaco não aumenta apenas o risco de cancro do pulmão, mas também de outros cancros - como o da bexiga e do esófago -, assim como de doenças cardiovasculares, afirma Venceslau Hespanhol, o que faz com que valha a pena deixar de fumar em qualquer idade. “É nestas pessoas que se pretende iniciar a deteção precoce de tumores no pulmão, para não serem diagnosticadas em situações tão avançadas em que depois existem muitas dificuldades em tratar”.

 

Outros fatores de risco

Existem outros fatores de risco para o desenvolvimento de cancro do pulmão, embora o seu impacto seja muito diminuto face ao tabagismo. Segundo o pneumologista Venceslau Hespanhol, estes incluem, por exemplo:

  • Inalação de rádon: este é “um gás que existe nas casas térreas de granito, especialmente no norte de Portugal, e que é um elemento que também está muito bem estudado em termos de risco de cancro do pulmão”;
  • Inalação de fibras de amianto: “é muito pouco frequente e, na maior parte das vezes, está associado a outro tipo de cancro, que se chama mesotelioma”. Contudo, também “aumenta o risco de cancro do pulmão, especialmente em quem fuma e está exposto a essa inalação”;
  • “História familiar próxima de um tumor do pulmão pode também estar associada a um aumento de risco”.

 

Sabia que…

Quem fuma a vida inteira perde em média dez anos de sobrevivência, seja por um problema cardiovascular, seja por um tumor ou outra doença relacionada com o tabaco.

 

Tipos de cancro do pulmão

O cancro do pulmão pode dividir-se em dois grande tipos, de acordo com Fernando Barata:

  1. Cancro do pulmão de pequenas células: representa cerca de 15 % das neoplasias do pulmão;
  2. Cancro do pulmão de não pequenas células: representa 85 % dos casos. Aqui incluem-se, fundamentalmente, o adenocarcinoma e o carcinoma epidermoide ou o carcinoma escamoso.

 

Consoante o tipo de cancro, “a abordagem terapêutica é bem diferente”, esclarece o pneumologista Fernando Barata, referindo que, no caso de um “carcinoma do pulmão de pequenas células, hoje a abordagem é, fundamentalmente, quimioterapia e imunoterapia”; já no cancro do pulmão de não pequenas células, além desses tratamentos, recorremos a outras terapêuticas, como:

  • Cirurgia nos estadios precoces;
  • Cirurgia e radioterapia na doença localmente avançada;
  • Imunoterapia e terapêuticas-alvo na doença avançada.

 

Identificar genes, personalizar o tratamento

“Nos últimos 20 anos, houve um grande impacto do conhecimento científico aplicado ao cancro do pulmão”, afirma Venceslau Hespanhol, destacando a “identificação de oncogenes (ou seja, genes mutados), que, de certa maneira, determinam o crescimento da doença. Ao ter esse conhecimento, foi possível identificar inibidores de alguns desses oncogenes que permitiram controlar a doença em muitas pessoas, mesmo com doença avançada”. Anteriormente, a opção nestes casos passava apenas pela quimioterapia, “com resultados mais modestos”. Apesar de existirem ainda muitos doentes a quem “esse tratamento não pode ser aplicado, porque não são identificados oncogenes, em quase 60 % dos doentes é possível identificá-los.”

Enfermeira verifica medicamento endovenoso de terapêutica-alvo.

Imunoterapia: quando o próprio corpo combate o cancro

A imunoterapia trouxe uma nova esperança aos doentes nos quais não é possível identificar os tais genes mutados (oncogenes). Esta “é uma terapêutica que também surgiu na última década, e que é hoje amplamente utilizada no cancro do pulmão, quer para o de pequenas células, quer para o de não pequenas células”, afirma Fernando Barata. Esta “atua estimulando as próprias defesas do indivíduo a combater o tumor. Utilizando de alguma forma os linfócitos T, que todos nós temos, e outras células, vai dirigi-las de uma forma seletiva para o tumor, levando aí a um controlo da doença oncológica”, esclarece.

 

O estudo dos biomarcadores: uma terapêutica à medida do doente

Tanto a identificação dos oncogenes como a imunoterapia têm como base a medicina de precisão, que “quer dizer que o tratamento de cada pessoa é orientado de acordo com determinada característica biológica do tumor que ela tem, que nós chamamos um biomarcador”, refere Venceslau Hespanhol, explicando que este se trata de “uma espécie de bilhete de identidade biológico da doença, em que, antes de se estabelecer o tratamento, são identificados os biomarcadores que estão associados àquele tumor. De acordo com esses biomarcadores, adaptamos os tratamentos disponíveis ao tumor especificamente de acordo com as suas características biológicas”.

O estudo dos biomarcadores “permite-nos dizer que o doente A é completamente diferente do doente B ou do doente C, e a cada um deles vamos dar uma terapêutica dirigida, mediante os resultados que temos, quer da avaliação histológica, quer dos biomarcadores”, afirma Fernando Barata, acrescentando as vantagens: “Isto permite-nos ter um maior êxito na abordagem terapêutica desses doentes. Hoje, personalizar o tratamento é fundamental, é obrigatório. Fazer um estudo correto dos doentes, quer em termos do diagnóstico, quer do estadiamento, permite-nos depois uma abordagem personalizada e, com isto, com mais qualidade de vida”. Venceslau Hespanhol acrescenta ainda que esta abordagem permite, nalguns doentes que ainda não são curáveis, tornar o seu cancro numa doença crónica, em que o doente não só sobrevive, como tem uma qualidade de vida significativa.

Médico analisa scan de pulmão canceroso.

Efeitos colaterais do tratamento oncológico

“Todos os tratamentos, de qualquer doença, têm efeitos adversos ou colaterais”, esclarece Venceslau Hespanhol. “No tempo da quimioterapia, a maior parte dos efeitos colaterais tinham que ver com a agressividade dos fármacos, nomeadamente com os enjoos, os vómitos, o mal-estar, o emagrecimento. Todo um conjunto de sintomas que eram bastante punitivos para o doente”, refere o médico, acrescentando ainda que há um maior risco de infeções devido à redução dos glóbulos brancos, assim como de anemia. Embora menos, os novos tratamentos também têm efeitos adversos. Por exemplo, os tratamentos-alvo podem causar “alterações cutâneas, especialmente quando a pessoa se expõe ao sol, e alterações gastrointestinais. Contudo, com os novos tipos de tratamento em geral, temos menos efeitos adversos. Temos pessoas a fazer tratamento durante dez anos, o que era impensável”, explica Venceslau Hespanhol.

Também a imunoterapia pode ter efeitos colaterais, como os cutâneos e alterações da tiroide e das suprarrenais. A diferença é que, neste caso, “são muito menos frequentes”, salienta o médico.

Antecipar é a melhor forma de prevenir e controlar esses tais efeitos colaterais de tratamentos oncológicos, “sendo que hoje em dia a esmagadora maioria dos tratamentos tem benefícios significativos na qualidade da vida do doente e na sua sobrevivência”, tranquiliza o médico pneumologista.

 

Sabia que…

Fazer um diagnóstico precoce, baseado no rastreio de cancro do pulmão, pode baixar em 20 % a mortalidade.

 

Presente e futuro no diagnóstico e tratamento do cancro do pulmão

Na doença oncológica, quanto mais cedo for detetado o tumor, melhores são as chances de sucesso e, portanto, os avanços nos meios de diagnóstico têm tido um papel fundamental. De acordo com o pneumologista Venceslau Hespanhol, “o melhor acesso a imagens do tórax, nomeadamente através de TACs, “permite identificar alguma alteração que ainda não dê qualquer sintoma e, portanto, seja precoce. Por isso é que hoje se defende muito a instituição de rastreios de base populacional utilizando TAC com baixa dose de radiação a quem tem risco elevado - nomeadamente, a pessoas fumadoras ou ex-fumadoras, a partir dos 55 anos”. Contudo, “o diagnóstico por imagem não é suficiente”, ressalva, sendo necessário um diagnóstico microscópico e depois molecular. “Isto quer dizer que, nesta fase do desenvolvimento científico e médico, ainda precisamos de retirar tecido da pessoa para ter a certeza de que é um tumor e para escolher qual é o melhor tratamento”, embora hoje em dia tenhamos “exames menos invasivos para colher esse tipo de amostras, que depois nos permitirão saber o diagnóstico”.

Já no tratamento do cancro do pulmão, a multidisciplinaridade é o presente (e provavelmente o futuro). Nesse sentido, Fernando Barata deixa a sua previsão: “A perspetiva no futuro próximo passa muito por, eventualmente, novas terapias, como vacinas, mas também por combinação de terapias anteriores. Isto é, virmos a combinar quimioterapia, imunoterapia, terapêuticas-alvo, tudo isso”, aplicando-as de “forma personalizada para cada doente, procurando, com isso, conseguir um longo controlo da doença e mesmo, nalguns doentes, uma cura para a sua doença oncológica”.

Publicado a 25/03/2025