Encefalomielite aguda disseminada (ADEM): saiba o que é
A ADEM é uma doença inflamatória rara que afeta o cérebro e a medula espinal. Acontece principalmente em crianças e o tratamento é urgente, mas eficaz.
A encefalomielite aguda disseminada, também conhecida como ADEM, é uma doença inflamatória neurológica, uma resposta autoimune que afeta o sistema nervoso central, principalmente o cérebro e a medula espinal, através da perda de mielina. A mielina é uma substância branca, composta principalmente por lípidos, que reveste os nervos, estimulando os impulsos elétricos que fazem a comunicação entre os neurónios.
Este tipo de encefalomielite tem uma progressão rápida, com um leque alargado de sintomas que varia em função da zona do cérebro atingida e da severidade da inflamação. O tratamento é na maioria dos casos eficaz, havendo uma recuperação total em seis meses.
O que causa a encefalomielite aguda disseminada?
A causa exata da ADEM não é totalmente conhecida, no entanto, a maioria dos casos desta inflamação surge após uma infeção, que tanto pode ser por um vírus da gripe ou por outro vírus mais agressivo ou bactéria. O facto de a encefalomielite poder estar associada a diferentes agentes infecciosos torna mais difícil identificar um agente patogénico específico causador da resposta imunitária. Os principais vírus que antecedem esta doença são influenza A ou B, enterovírus, Epstein-Barr, hepatites A ou B, e HIV.
Em menor número, a encefalomielite aguda disseminada pode surgir após vacinação, estando esses casos a diminuir graças à evolução no desenvolvimento e produção de vacinas. Nos últimos anos, foram relatados alguns casos relacionados com a COVID-19, tanto após infeção como vacinação. A ADEM pode ainda surgir isoladamente, sem relação com infeção ou vacina, mas antes a um distúrbio autoimune que provoca a resposta imunitária exagerada no sistema nervoso central acompanhada de desmielinização, sendo esses casos ainda mais raros.
Quem pode sofrer de ADEM?
A encefalomielite aguda disseminada acontece principalmente em crianças, mas com menos de um caso por cada 100 mil. Dentro deste grupo, normalmente são mais atingidas as crianças entre os 5 e os 8 anos. A partir dos 18 anos, os casos são ainda mais raros, podendo acontecer em qualquer idade. Por outro lado, a recuperação é mais rápida e sem sequelas nas crianças também.
As pessoas do sexo masculino estão ligeiramente em maior risco de desenvolver ADEM, estimando-se uma proporção de cerca de 1,3 casos para cada um no feminino. Por outro lado, estas situações surgem mais durante os meses frios, mas trata-se de uma doença que está presente em todo o mundo.
Sabia que...
Na maioria das situações, cerca de 80 %, a encefalomielite aguda disseminada só acontece uma vez. Quando volta a ocorrer, não existe um prazo expectável para isso acontecer e os sintomas podem ser diferentes.
Quais os sintomas de encefalomielite aguda disseminada?
Tanto na encefalomielite aguda disseminada após infeção como na doença após vacinação os sintomas começam a surgir entre uma a duas semanas depois, por vezes três semanas, mas raramente mais do que isso. Inicialmente, é notado cansaço ou irritabilidade no doente, mas a gravidade dos sintomas depende do grau de inflamação e das zonas do cérebro ou medula espinal afetados pela perda de mielina. Há uma progressão gradual caso não seja iniciado um tratamento médico.
Os sintomas mais frequentes de ADEM incluem:
- Febre;
- Dores de cabeça;
- Náuseas e vómitos;
- Fadiga;
- Dormência ou formigueiro nos braços e pernas;
- Problemas de coordenação motora;
- Perda de visão num olho ou em ambos;
- Dificuldade em engolir;
- Fraqueza muscular;
- Convulsões;
- Desmaios ou perda de consciência.
Como é feito o diagnóstico da ADEM?
A encefalomielite aguda disseminada partilha alguns sintomas com outras doenças, principalmente com a esclerose múltipla, uma doença degenerativa crónica, sendo o diagnóstico complexo, mas importante, para despistar essa patologia. Em casos raros, a esclerose múltipla é uma complicação progressiva da ADEM.
O diagnóstico de encefalomielite aguda disseminada é feito a partir de exames neurológicos, físicos e outros testes e análises necessários para encontrar uma possível causa, avaliar o grau de extensão dos danos e definir o tratamento:
- Uma ressonância magnética permite encontrar alterações no cérebro, medula espinal e nervos óticos. Mais tarde, poderá ser feita novamente para confirmar a recuperação;
- Uma punção lombar, para testar o fluido do sistema nervoso central, chamado cefalorraquidiano, destina-se a detetar a presença excessiva de glóbulos brancos, sinal da resposta inflamatória, mas também para despistar uma infeção específica, como meningite ou encefalite;
- Radiografias e tomografias computorizadas podem ser realizadas, mas não permitem avaliar de forma tão precisa os danos na mielina, sendo menos adequadas para despistar esclerose múltipla.
Análises ao sangue e o histórico médico do doente são importantes também para avaliar possíveis agentes patogénicos ou outros gatilhos para a resposta imunitária. E um eletrocardiograma é feito quando se suspeita de convulsões.
Qual o tratamento para a ADEM?
Uma vez que a doença é provocada por uma resposta autoimune e não por uma infeção, o tratamento é direcionado para a inflamação. Numa primeira fase, são dados medicamentos corticosteroides por via intravenosa, uma vez por dia entre três a cinco dias. Na maioria dos casos é o suficiente para reverter a inflamação e recuperar a mielina nas zonas do sistema nervoso central afetadas.
Quando esse tratamento não provoca efeitos, outra hipótese é a terapia com imunoglobulina, através de plasma de dadores por via intravenosa. Ou então algumas sessões (três a sete) de plasmaferese, um tratamento semelhante à hemodiálise, no qual o sangue circula numa máquina que retira o plasma e outras substâncias nocivas que possa conter, sendo necessário completar com outro plasma de forma a não desequilibrar a constituição sanguínea.
Os efeitos secundários do tratamento com corticosteroides, o mais usado, prendem-se principalmente com alterações de humor, subida de pressão arterial, aumento da glucose no sangue, sendo estas últimas monitorizadas frequentemente pela equipa médica.
Qual o prognóstico para a encefalomielite aguda disseminada?
Na maioria dos casos de ADEM, a recuperação total, ou quase total, acontece em um mês, podendo estender-se esse tempo sem sequelas até aos seis meses. O prognóstico depende da severidade dos sintomas e da idade do paciente, havendo uma pequena percentagem de casos de hospitalização em cuidados intensivos. O tempo de recuperação, manutenção de sintomas ou de sequelas e a mortalidade são maiores em adultos. As situações em que a encefalomielite aguda disseminada reaparece outra vez são também uma minoria, menos ainda os casos múltiplos, que requerem maior estudo e acompanhamento.
Os danos em pacientes com encefalomielite aguda disseminada caracterizam-se por dificuldades cognitivas, perda de memória, espasticidade muscular, menor capacidade de falar ou convulsões. Estudos feitos em crianças que tiveram ADEM entre os 6 e os 15 anos detetaram défices cognitivos ligeiros e resultados inferiores ao esperado em testes de quociente de inteligência cerca de quatro anos após a doença. Um pequeno número de doentes evolui para epilepsia ou esclerose múltipla, devido à extensão ou prolongamento dos danos no sistema nervoso central.
Caso note alguns dos sintomas referidos acima procure assistência médica assim que possível, pois a recuperação total depende de um diagnóstico atempado e consequente início de tratamentos.
Cleveland Clinic, maio de 2024
Great Ormond Street Hospital for Children NHS Foundation Trust, maio de 2024
Manual MSD, maio de 2024
National Institute of Neurological Disorders and Stroke, National Institutes of Health, maio de 2024
Radiopaedia.org, maio de 2024
Residência Pediátrica, maio de 2024
SPMFR - Revista da Sociedade Portuguesa de Medicina Física e de Reabilitação, maio de 2024