Viver com uma doença rara

Um diagnóstico que pode levar anos e as poucas opções de tratamento
Bebés e crianças
Doenças crónicas
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Muitas vezes de difícil diagnóstico, as doenças raras podem levar anos a ser identificadas. Jorge Sales Marques, pediatra, fala sobre essas dificuldades.

Para algumas doenças raras, existem poucos casos documentados no mundo, o que pode atrasar o diagnóstico e, consequentemente, a prestação de tratamento adequado. Tal como o nome indica, as doenças raras afetam um número mais reduzido da população quando comparadas com outras patologias mais comuns. Segundo o pediatra CUF Jorge Sales Marques, “uma doença é considerada rara quando existem 1,3 casos por 2000 pessoas”. Quanto aos grupos de maior risco e as suas causas, acrescenta que “75 % das doenças raras surgem nas crianças e 85 % têm uma causa genética”.



Doenças raras em Portugal

“Em Portugal, atendendo que sabemos que cerca de 6 % da população pode ter doença rara, numa população de cerca de 10 milhões de habitantes, teoricamente falando, são 600 mil casos”, explica Jorge Sales Marques. Quanto às mais frequentes em território nacional, o pediatra destaca, “por exemplo, a doença do pezinho, que é conhecida na zona de Vila do Conde, Póvoa de Varzim, a doença renal poliquística autossómica dominante, a doença de Fabry e a fibrose quística”.

 

Um diagnóstico que pode levar anos

Existem características que são comuns a várias doenças raras, “nomeadamente nas genéticas e metabólicas, como, por exemplo, o atraso psicomotor, a regressão psicomotora, a dismorfia, a perturbação do espectro do autismo, algumas doenças cardíacas, outras doenças renais, bem como algumas doenças neurológicas”, enumera Jorge Sales Marques. E não são apenas as doenças raras que se podem confundir entre si, existem também sintomas que partilham com doenças não raras, o que “pode atrasar o diagnóstico”, afirma.

“Habitualmente, quando é uma doença rara ‘frequente’, o diagnóstico pode ser feito logo na primeira consulta, porque os sinais e os sintomas são fáceis de diagnosticar. Mas, naqueles casos mais complicados, pode demorar meses, até anos. Eu próprio tive um caso que demorou cinco anos para diagnosticar, que na altura não tinha sido diagnosticado nenhum caso em nenhuma parte do mundo. Portanto, não havia casos mesmo porque não havia estudos laboratoriais”, explica Jorge Sales Marques.

 

7 anos depois, um diagnóstico de doença rara

Os sinais de que Rodrigo tinha uma doença rara fizeram-se notar logo no nascimento, mas até que a sua causa fosse descoberta decorreram vários anos. Tânia Blanco, a sua mãe, relembra: “O Rodrigo nasceu com uma cabeça muito grande, o perímetro cefálico era muito grande, tinha o peito para a frente, era muito grande, o corpo era todo muito grande e não fazia sucção.” A partir daí, “foi muito tempo de estudos, em que estivemos à espera de resultados específicos, que chegaram ao final de sete anos”, conta. “O Rodrigo tem uma doença mitocondrial, chama-se citopatia mitocondrial uniparental materna, e interfere com vários órgãos, porque as nossas mitocôndrias deveriam estar preenchidas a 100 % e as dele só estão a 30. Então, interfere com tudo no dia a dia dele e, acima de tudo, com a motricidade”, explica Tânia Blanco.

 

Como se diagnostica uma doença rara

“O mais importante, como em qualquer doença, é a história clínica, o exame objetivo”, começa por explicar Jorge Sales Marques, referindo que esse exame pode depois ser complementado com “estudos genéticos - em particular, o estudo citogenético -, estudos metabólicos e estudos moleculares - nomeadamente estudos do exoma, do genoma humano. Para algumas situações, com um teste do pezinho é possível fazer o diagnóstico de várias doenças raras logo no início, que depois poderão ser tratadas numa fase mais precoce, o que melhora o prognóstico”. Tal como explica mais detalhadamente o pediatra, “quanto mais cedo fizermos o diagnóstico, mais cedo começamos o tratamento e, em algumas situações, podemos evitar sintomas que iriam surgir caso o tratamento fosse iniciado de uma forma tardia. Portanto, de facto, é muito importante o tratamento precoce”.

 

O tratamento de doenças raras

Ainda existem poucas opções terapêuticas para as doenças raras, contudo, com o passar dos anos, o tratamento tem vindo a melhorar, sobretudo comparativamente há cinco, dez anos. Jorge Sales Marques fala sobre uma dessas opções: “Existem certas doenças que precisam de tratamento enzimático de substituição e só este vai compensar a falta da enzima no doente. No fundo, funciona como na diabetes, o doente não tem insulina e temos de dar insulina.” Este é, segundo o pediatra, um tratamento que tem de ser feito para o resto da vida e que “consiste fundamentalmente em perfusões, muitas vezes endovenosas, que podem ser semanais ou bi-semanais”.

Em segundo lugar, salienta a importância de uma equipa multidisciplinar, “que deve incluir, entre outros, um neurologista ou, se for uma criança, um neuropediatra, um pediatra de desenvolvimento, terapeutas de fala, terapeutas ocupacionais ou fisioterapeutas. Isto é fundamental para a equipa funcionar e para dar apoio ao doente a médio/longo prazo”.

 

Suspeita de doença rara: o que fazer?

“Quando alguém tem uma doença rara ou suspeita de uma doença rara, a primeira coisa que deve fazer é consultar um médico - no caso das crianças, um pediatra, ou, se for um adulto, um internista, ou eventualmente um neurologista, se tiver sintomas neurológicos. Idealmente, deve ser um médico com alguma experiência na área da genética porque cerca de 85 % das doenças raras são genéticas”, esclarece Jorge Sales Marques.

De um modo geral, existem alguns sinais e sintomas que devem levar uma criança ou um adulto a consultar um médico, “nomeadamente uma situação de atraso psicomotor, uma regressão psicomotora, o que significa que a criança atingiu os conhecimentos e desenvolvimento dentro do normal para a idade e, a partir de certa altura, deixou de os ter. Portanto, isso significa uma regressão psicomotora e pode significar doenças, nomeadamente, genéticas e metabólicas”. Além disso, “a perturbação do espectro do autismo também é uma das situações importantes” associadas a doenças raras. “Nós sabemos que em 25 a 30 % das situações de perturbação do espectro do autismo há diagnóstico de doença rara. Outros sinais e sintomas são a dismorfia, os problemas cardíacos, como cardiomiopatia, ou problemas de surdez neurossensorial (uma pessoa que nasceu perfeitamente normal e depois adquiriu uma surdez neurossensorial sem saber porquê e que pode ter uma causa genética ou metabólica)”, acrescenta.

 

A vida com uma doença rara

“Atualmente, o Rodrigo é um menino aparentemente normal, sendo que tem 17 anos, 1,90 m, ou seja, é bastante alto - ainda passámos pelo estudo do gigantismo, que veio negativo -, não tem força muscular, os ossos são muito pesados e ele é bastante torto, digamos assim. Fica cansado muito mais rapidamente, perde forças…”, descreve Tânia Blanco. Ao longo da sua vida, tem sido acompanhado por diversas especialidades médicas, como Cardiologia, Genética e Nutrição. “Como é uma doença degenerativa, tem que ser controlado”, salienta.

 

Uma mensagem para outros pais

“Para os pais que ainda não têm um diagnóstico, é difícil a espera, e quando chega, como foi o meu caso, também não é a resposta que nós queremos, não é um diagnóstico bom. Ele está cá e eu sou grata por isso, mas não é o diagnóstico que nós queríamos. O mais importante é aceitar e fazer tudo o que pudermos, tudo o que estiver ao nosso alcance, acompanhados de bons profissionais, como é o nosso caso”, encoraja Tânia Blanco.

“Somos acompanhados pelo Dr. Jorge Sales Marques, que foi a nossa salvação, e do Rodrigo acima de tudo, é o médico que o acompanha desde o início. Ao final de sete anos, quando temos um resultado, o Dr. Jorge pousa alguns papéis na mesa e as palavras dele foram ‘Tânia, os números não querem dizer nada’. Porquê? Porque o Rodrigo tinha uma depleção bem mais alta do que outros casos e, no entanto, está melhor”, relembra.

Publicado a 29/02/2024